A caravana da dança francesa já está na estrada e vem passar o fim-de-semana ao Porto
Na sua primeira saída para o estrangeiro, o Centre National de la Danse instala-se no Teatro do Bolhão para mostrar, com um programa de workshops, encontros, projecções e festas com DJ, como funciona e para que pode servir, mesmo à distância, esta colossal instituição.
É difícil imaginar os 15 mil metros quadrados de betão armado do Centre National de la Danse (CND) dentro do delicado palácio do século XIX onde em 2015, e depois de obras de reconversão que lhe valeram o Prémio Nacional de Reabilitação Urbana, se instalou finalmente o Teatro do Bolhão. Mas mais difícil ainda é imaginar uma mala onde caiba todo o torrencial programa artístico, pedagógico e patrimonial em curso desde 2004 no enorme edifício do subúrbio parisiense de Pantin, statement brutalista iluminado por um arco-íris de néons que, falhada a sua vocação como cidade administrativa, o Estado comprou por um franco para salvar do abandono e acabou depois por transformar na caixa-forte da dança francesa.
Em versão compactada para caber numa bagagem de mão que nem a mais empedernida das companhias low-cost recusaria, é mesmo esse programa torrencial que vai aterrar no Porto de sexta-feira a domingo, quando o CND fizer a sua primeira escala internacional no Porto, a convite da segunda edição do festival DDD - Dias da Dança. Dessa versão portátil, tamanho XXXS, que é a Caravane do CND, sairão workshops para bailarinos profissionais e ateliers para não-iniciados, filmes, conferências, sessões DJ, uma exposição e um imenso acervo documental que dará à comunidade da dança portuguesa acesso directo a informação valiosa sobre oportunidades de formação e de trabalho na imensa galáxia da França que dança. Por ser a primeira – e por ser para um festival programado por um coreógrafo que a seu tempo se inscreveu decisivamente nessa galáxia, Tiago Guedes –, “esta Caravane será especialmente luxuosa”, admite ao PÚBLICO Aymar Crosnier, director-geral adjunto do CND (desde 2014, a instituição é dirigida por uma figura tutelar da dança contemporânea francesa, a bailarina e coreógrafa Mathilde Monnier).
A equipa do CND espera que esta caravana-protótipo responda especificamente às necessidades e às dúvidas de um tecido coreográfico em profunda transformação como é o do Porto pós-Tiago Guedes (a chegada do actual director artístico do Teatro Municipal do Porto à cidade, parece consensual, deslocou muito para Norte o centro de gravidade da dança nacional). “Não haverá duas caravanas iguais. Preparamos a chegada de cada Caravane pondo-nos em contacto com as instituições artísticas e educativas locais. E, no caso desta, tentámos perceber antecipadamente qual seria o programa do festival: o facto de sabermos que a Maguy Marin estaria no DDD a apresentar a sua última peça, BiT, levou-nos, por exemplo, a programar, como complemento, a exibição do documentário que a colecção Nouvelle Cinémathèque de la Danse lhe dedicou, Maguy Marin ou comment dire (2016)”, continua Aymar Crosnier, que virá pessoalmente ao Palácio do Bolhão explicar a potenciais interessados o modo de usar a rede cultural francesa (sábado, 12h). Também Noé Soulier, artista-associado do CND que mostrará no Porto Faits et Gestes (6ª, 21h30), estreado no último Festival de Outono, em Paris, apanhou a caravana – à margem do seu espectáculo, dará um atelier de prática amadora (sábado, às 14h30) e uma conferência, Making Bodies (domingo, às 15h), ambos abertos a público não-especializado.
O programa deste CND miniatura inclui ainda, antecipando uma dos grandes eixos da rentrée da instituição, um foco sobre Alain Buffard, “figura magnética da dança francesa”, como o descreveu o Le Monde quando morreu cedo de mais, aos 53 anos: Matthieu Doze (que também será o DJ de serviço esta sexta-feira) orienta um workshop em torno do repertório do bailarino e coreógrafo que foi dos primeiros a encarar de frente o terrível impacto da sida na comunidade artística, e o Palácio do Bolhão receberá também o seu filme de 2005 com a pioneira Anna Halprin, My Dinner with Anna (sexta, às 19h).
A ideia é que, no final destes três dias, haja uma ideia mais clara do que é e para que serve esta colossal instituição pública com cerca de cem funcionários (as caravanas nunca trarão mais de três) que, como diz Aymar Crosnier, sempre teve alguma dificuldade em definir-se: “Não somos um teatro mas apresentamos peças, não somos um museu mas organizamos exposições, não somos uma escola mas damos formação.”
Trabalhando prioritariamente “para bailarinos e coreógrafos”, mas “aberto a espectadores, cinéfilos, investigadores, crianças, e utilizadores ocasionais”, o CND é ao mesmo tempo uma sala de espectáculos intermitente e “o mais importante arquivo de dança de toda a Europa” (ainda no ano passado ali deu entrada, por doação, o espólio da histórica Lucinda Childs), um gigantesco espaço de ensaios (14 estúdios, por onde passam gratuitamente cerca de 450 companhias por ano) e uma cinemateca especializada.
É essa mesma “militância” pela dança que o CND quer agora praticar fora de portas. Depois do Porto, já estão agendadas saídas para capitais internacionais como Cidade do México, Cairo, Beirute e Madrid, entre outros destinos.
O PÚBLICO viajou a convite do Teatro Municipal do Porto