Cinema
Ele criou um cartaz de cinema todos os dias durante um ano
Há fumo por todo o lado, helicópteros no ar, bombas, tiros e uma confusão de vozes. Aprisionado no cenário destes ruídos, o tenente-coronel Kilgore só pensa num odor. “Adoro o cheiro de napalm pela manhã”, diz para os seus soldados a personagem interpretada por Robert Duvall em Apocalypse Now. A cena está inscrita na História do cinema. Quase que vive por si, citada a propósito do filme e não só. Pete Majarich, o designer que durante um ano criou um cartaz de um filme por dia, não ficou alheio a esta cena.
Quando teve de desenhar o cartaz para o filme de Francis Ford Coppola pegou no aroma a napalm e engarrafou-o. Transformou-a numa essência comercializável, pô-lo numa embalagem que faz lembrar o mítico Chanel nº 5. É essa a imagem do poster, o 356.º que criou para o seu projecto A Movie Poster a Day (Um cartaz de cinema por dia, em português).
Tudo começou quando, no final de 2015, Pete procurava um desafio para o ano seguinte. Podia ter optado por ir ao ginásio todos os dias mas sentia que corria o risco de não cumprir. “Para o melhor e para o pior, sou mais obcecado por design do que em manter-me em forma”, brinca numa entrevista por e-mail com o PÚBLICO. Portanto, em vez de exercício físico optou por criar cartazes de filmes de raiz, alguns deles reinterpretações das imagens de filmes icónicos da História do Cinema.
“No início comecei a fazer cartazes para filmes de que gostava muito”, explica. Sobretudo ficção científica, como 2011: Odisseia no Espaço ou O Exterminador Implacável 2. Para cada um destes dois filmes acabou por criar dois cartazes originais ao longo do ano de 2016. Mas à medida que o ano avançava, o designer teve de alargar os seus interesses fílmicos. “Nunca tinha visto o Thelma e Louise, por exemplo. Tinha-me parecido sempre um filme para raparigas. Acabei por vê-lo e claro que é fantástico. Muito corajoso e genuíno.” O resultado? Uma ilustração em que o descapotável e as das protagonistas, interpretadas por Geena Davis e Susan Sarandon, voam sobre uma lua cor-de-rosa.
A lista de exemplos é extensa e diversificada não só em géneros cinematográficos e na linguagem visual mas também na definição de um conceito. Se em alguns casos, Pete Majarich se focou apenas num elemento para representar o filme – como os ténis usados pela personagem de Uma Thurman em Kill Bill – A Vingança -, noutros casos o designer fugiu quase completamente à imagética associada ao filme.
Um dos exemplos é o cartaz para Uma família à beira de um ataque de nervos, que afasta dos holofotes a popular carrinha amarela em que, no filme, a família protagonista atravessa os Estados Unidos. No cartaz de Majarich a carrinha surge quase despercebida, no canto da imagem. “É um elemento icónico e cool. Mas isto significa que muitos outros artistas já o usaram nos seus projectos. Por isso tentei fazer algo diferente”, explica. O cartaz para Moonrise Kingdom é outro destes casos, preterindo o barroquismo visual de Wes Anderson em favor de um design cartográfico a preto e branco.
Os cartazes foram quase integralmente criados durante o período de um ano, com algumas excepções (raras, segundo Pete) de conceitos já desenvolvidos anteriormente e que foram usados nos dias em que estava demasiado ocupado a desenhar um novo poster.
“Muitos dos cartazes são minimais mas não tinha a intenção de que o projecto fosse visto dessa forma”, diz Pete. Até porque considera essa opção - a de criar a versão minimal de algo, seja na capa de um livro ou de um álbum - como potencialmente preguiçosa. No entanto agrada-lhe que se desenvolva uma espécie de jogo com quem vê estes cartazes, alguns de reconhecimento imediato mais complicado: a que filme pertence esta imagem?
Se o primeiro cartaz do projecto, Pulp Fiction de Quentin Tarantino, foi escolhido um pouco ao acaso, o último foi uma escolha especial. “Acho que é provavelmente o melhor filme alguma vez feito”, resume. Pete Majarich fala do distópico Os Filhos do Homem, assinado por Alfonso Cuáron. “É ficção científica no seu melhor, propondo um conceito desafiador (e se a fertilidade desaparecesse da raça humana?) e colocando-o num pano de fundo narrativo cativante. Apela tanto aos fiéis da ficção científica pura e dura como a qualquer pessoa com uma réstia de Humanidade no seu coração”, defende o designer.
O projecto A Movie Poster a Day não lhe permitiu apenas explorar a sua criatividade durante 365 dias, do primeiro ao último dia de 2016. O designer australiano, que vive em Sydney, recebeu reacções de cinéfilos e realizadores de todo o mundo, incluindo do produtor executivo do filme Arrival – O Primeiro Encontro, Dan Cohen. Para além disso, ficou a saber que os criadores da série de culto da Netflix, Stranger Things, os irmãos Duffer têm um dos seus cartazes na parede.
Um ano e alguns meses depois qual foi a melhor lição que Pete Majarich tirou deste desafio? “Se se querem tornar melhores em alguma coisa façam-no todos os dias durante um ano.”
Frederico Batista