Hoje é dia de entregas no Aljube
Trabalhos de presos políticos, carimbos e selos brancos para falsificar documentos estão entre os objectos entregues há um ano.
É exemplo de dignidade de recuperação da memória histórica. A prisão do Aljube, com 20 mil visitantes anuais, onde entre 1928 e 1965 estiveram encarcerados presos políticos, passou, em 2015, a Museu da Resistência e Liberdade. Esta terça-feira, como no 25 de Abril de 2016, é dia de recepção de testemunhos de vítimas da ditadura e de recolha de objectos relacionados com a resistência.
“Temos milhares de objectos, documentação de propaganda política, jornais, fotografias, material que vem de espólios, e testemunhos orais filmados ou só com som”, revela Luis Farinha, director do museu. “O material está a ser catalogado e será divulgado através do nosso site”, precisa acerca desta iniciativa promovida em parceria com o Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas/Universidade Nova de Lisboa.
Esta terça-feira, estarão expostas algumas destas peças. Há um engenhoso candeeiro feito com paus de fósforo, cartão e papel por João Viegas dos Santos, durante a sua segunda detenção no forte de Peniche, no início dos anos 70 do século passado. Viegas dos Santos que saiu da prisão após o 25 de Abril de 1974 retocou o candeeiro e ofereceu-o ao museu.
Uma cabeça de marioneta feita em 1971 por Luís Guerra, companheiro de cela de Nuno Teotónio Pereira em Caxias, era usada em teatrinhos pelos presos. Recorrendo a papel de jornal mastigado com arroz e pintado com guaches – então a Teotónio Pereira era-lhe permitido trabalhar na prisão – ganhava forma a personagem.
“Era uma forma de evasão dentro da prisão, a construção do candeeiro ocupava o tempo e o teatro de Robertos propiciava convívio”, relata o director do museu.
Objectivo diferente tinha o conjunto de carimbos e selos brancos utilizados pela LUAR [Liga de Unidade e Acção Revolucionária], organização liderada por Hermínio da Palma Inácio. Estas peças, foram utilizadas entre 1967 e 74 para a falsificação de documentos, de cartas de condução às antigas cédulas militares, passando por vistos de entrada e saída de Vilar Formoso, aeroportos de Lisboa, Barcelona ou Bilbau. Também consta um carimbo metálico de um selo “válido para todos os países com relações diplomáticas com Portugal”.
Este espólio de Palma Inácio foi doado ao museu por Fernando Pereira Marques, antigo militante da LUAR, e alguns dos carimbos e selos resultaram dos assaltos, em 1971, aos consulados de Portugal em Roterdão e Luxemburgo. Já outros eram fabricados por especialistas em falsificações, copiando documentos oficiais.
O Aljube deixou de ser utilizado pela PIDE em 1965 como ponto de passagem para reclusos que iam ser deportados, em situação incomunicável ou sob interrogatório, e na jurisdição do Ministério da Justiça passou a albergar até 100 presos. Após o 25 de Abril, foi utilizado pelo Instituto de Reinserção Social.
Como prisão política, o Aljube foi tristemente célebre pelas condições de isolamento de pequenas celas conhecidas como “curros”, um espaço exíguo que não permitia movimentos e sem luz. Apesar destas condições e da vigilância, houve fugas notáveis. Em 4 de Abril de 1932, ocorre uma fuga colectiva à mão armada, entre os quais a de Emídio Guerreiro, que viria a ser eleito secretário-geral do PSD, no Verão Quente de 1975. Em 1938, foi Francisco de Paula Oliveira, Pavel, destacado militante do PCP que fugiu. Dez anos mais tarde, foi Palma Inácio que se encontrava detido após a operação de sabotagem de avisões da Base Aérea de Sintra. E a 25 de Maio de 1957 fugiram os funcionários do PCP Américo de Sousa, Carlos Brito e Rolando Verdial.
Notícia actualizada a 28 de Abril: inclui a referência ao Instituto de História Contemporânea como parceiro da iniciativa no Museu do Aljube