França: 11 pistas para o que aconteceu (e o que aí vem)
A noite eleitoral trouxe-nos confirmações, contradições e mitos desfeitos. Também nos deu pistas para o que virá na segunda volta - e depois dela.
- Le Pen não cresceu com o atentado. Ao contrário do que se chegou a temer, a candidata da Frente Nacional não ganhou mais votos com o que aconteceu na quinta-feira nos Champs Elisées. Ficou em segundo lugar, pouco acima dos 20% - longe das estimativas do início da pré-campanha. Como Wilders, na Holanda, a candidata não conseguiu chegar às suas expectativas iniciais - apesar de Trump, de Putin, do Brexit e dos atentados.
- Os partidos tradicionais foram arrasados. Com cerca de um quarto do eleitorado no total. Na prática, isto significa que a direita ficou pelo caminho pela primeira vez. E que os socialistas se ficaram pelos 6%.
- Mas talvez isto não queira dizer o que parece. Os votos de Hamon foram transferidos para Macron (muitos) e Melénchon (bastantes), mostrando que as célebres primárias resultaram em escolhas que o grande eleitorado não comprou. Só nas legislativas de Junho se perceberá o realinhamento final.
- A Europa está em dúvida. Bem contados os votos, quase 48% deles foram para os candidatos que se apresentaram como eurocépticos. O alerta ficou dado, embora não deva ter sequência total na segunda volta: Le Pen é muito divisiva e todas as sondagens mostram quenão ficará com os votos anti-europeus na totalidade (ficará no máximo pelos 39%, se os estudos baterem certo).
- Bruxelas e os governos entraram na campanha. Percebendo o perigo de Le Pen, a Comissão Europeia, assim como alguns governos (desde logo o alemão, mas também o português), vieram já congratular Macron e desejar a sua vitória na segunda volta. "Isto é sobre a França, mas também é sobre a Europa", escreveu no Twitter Sigmar Gabriel, o MNE alemão.
- Mas a França não se uniu contra Le Pen. Apesar das declarações de apoio da direita tradicional e do PS francês, houve um candidato que não quis pedir o voto em Macron: foi Melénchon, que remeteu para mais tarde uma posição. Um erro? Dizem as sondagens que 50% dos seus eleitores irão votar Macron e apenas 10% em Le Pen. Já os de Hamon repartem-se entre 75% Macron e 5% Le Pen; e os de Fillon em 40% Macron e 30% Le Pen.
- De resto, a França está mesmo dividida: uma análise dos estudos de opinião permite dizer que os votos de Macron e Le Pen são inversamente proporcionais no nível de estudo (os mais literados votaram no independente, os menos em Le Pen) e também pelo seu grau de optimismo (os pessimistas com a Frente Nacional, os optimistas com Macron).
- A campanha está traçada: a primeira volta francesa pôs fim à velha guerra entre esquerda e direita. Agora a luta eleitoral é entre liberalismo/europeísmo e nacionalismo.
- Uma quase certeza: quem quer que ganhe, a França vai ter um Presidente com pouca experiência política e, sobretudo, com pouco apoio no Parlamento (a não ser que haja nova surpresa nas legislativas). "O regime francês está em sofrimento: o futuro Presidente partirá com uma base eleitoral muito estreita”, diz o Editorial do Libération. "Macron é um líder sem partido que terá que ser capaz de conseguir uma coligação que lhe permita governar”, acrescenta o do El Pais. Talvez os apoios que Macron recebeu para a segunda volta ajudem - ou talvez não.
- E outra: 2017 não é 2002. Há 15 anos, Jean-Marie Le Pen foi à segunda volta, mas só conseguiu nesse segundo round mais um ponto percentual do que na primeira. Marine terá mais votos desta vez, indicam as sondagens, dando-lhe entre os 33% e os 39,5% dos votos.
- Já agora, os grandes vencedores da noite: as sondagens: bateram certo, apesar de todas as desconfianças. E os eleitores, que votaram em massa, contrariando os maiores receios.
N.D. A referência a Bernie Sanders que estava neste texto foi retirado, por ser errado que o ex-candidato não tivesse apoiado Hillary Clinton. Aos leitores, as minhas desculpas.