Base de dados de impressões digitais vai longe demais, avisa Ministério Público

Proposta do Governo deverá ser discutida na especialidade. BE questiona que entidades como a ASAE e a Autoridade Tributária possam aceder aos dados pessoais.

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A recolha de impressões digitais poderá alargar-se a toda a palma da mão. Enric Vives-Rubio

A proposta de lei do Governo destinada a regular o funcionamento de uma base de dados com impressões digitais e fotografias, destinada a apoiar a investigação criminal, vai longe demais no cercear de direitos dos cidadãos.

É a opinião do Conselho Superior do Ministério Público, mas também da Comissão Nacional da Protecção de Dados e ainda da bancada parlamentar do Bloco de Esquerda. O assunto foi discutido nesta quinta-feira no plenário da Assembleia da República e até o PS fez uma crítica velada à proposta da ministra da Justiça Francisca van Dunem, que se relaciona com a obrigação de aprofundar a partilha de informações entre os Estados-membros da União Europeia em matéria de prevenção e investigação da criminalidade. Citando disposições constitucionais e europeias relativas ao tratamento de dados pessoais e à privacidade, o deputado socialista Fernando Anastácio disse que as questões relacionadas com a segurança da base de dados que a proposta “já evidencia” irão “ser apreciadas e merecer especial enfoque em sede de discussão especializada”, o que deverá suceder após o documento ser aprovado nesta sexta-feira no plenário e remetido para a comissão parlamentar de Direitos, Liberdades e Garantias.

Num parecer que emitiu em Fevereiro, o Conselho Superior do Ministério Público tinha sido mais explícito, ao dizer que alguns aspectos do anteprojecto de lei que lhe foi então apresentado pela ex-colega e hoje ministra Francisca van Dunem contendiam “com liberdades e garantias individuais.”

Na realidade, a base de dados existe há décadas. É gerida pela Polícia Judiciária e inclui impressões digitais tanto de criminosos já condenados como de meros suspeitos de crimes. Mas, como quando surgiu, o direito à privacidade não constituía uma preocupação o seu funcionamento nunca foi regulamentado com a exigência hoje necessária. Para o Conselho Superior do Ministério Público, sujeitar à recolha de impressões digitais todas as pessoas que foram constituídas arguidas em processos-crime é, do ponto de vista legal, excessivo, dado tratar-se de uma medida “de clara ingerência na vida privada”.

O órgão liderado por Joana Marques Vidal entende que para respeitar a Constituição é melhor limitar a identificação judiciária a arguidos suspeitos de crimes com pena de prisão superior a três anos. Objecções levanta também, quer ao conselho quer à Comissão Nacional da Protecção de Dados, a possibilidade de as amostras poderem ser conservadas durante década e meia. “Não é vinculativo. Só serão destruídas 15 anos depois se não for fixado outro prazo”, esclareceu a ministra no Parlamento. Confrontada pela deputada centrista Vânia Dias da Silva com o facto de estar prevista a recolha não apenas de impressões digitais como também palmares, ou seja, da palma inteira da mão e não apenas dos dedos, a governante explicou não haver nada a fazer: “A directiva europeia exige imagens palmares.”

Mas foi sobretudo da bancada do Bloco de Esquerda que vieram algumas das principais objecções ao documento, relativamente ao qual irá propor alterações. O universo de entidades com acesso à base de dados de impressões digitais é demasiado alargado, observou a bloquista Sandra Cunha, dando como exemplos a ASAE - Autoridade de Segurança Alimentar e Económica e a Autoridade Tributária.

A possibilidade de recolha de impressões digitais em locais suspeitos de terem sido usados para preparar ou cometer crimes suscita igualmente preocupação ao BE: “Abre a possibilidade de a recolha de vestígios ser feita em todo o tipo de locais, com a inerente recolha indiscriminada de dados de quer que seja.”

Já o Conselho Superior do Ministério Público chamou a atenção para uma formulação que consta da proposta, por a considerar discriminatória. Diz a proposta de lei do Governo que integram a categoria de fotografias técnico-policiais as imagens relevantes para a identificação judiciária, “nomeadamente de deficiências, sinais particulares e tatuagens.” Para estes magistrados, a expressão “sinais particulares e outros susceptíveis de diferenciação” chega e sobra para uma descrição fisionómica completa.

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