Governo aperta vigilância a negócios de políticos

Empresas vão ter de reforçar os meios de controlo quando os negócios envolvem um cliente que tenha desempenhado cargos políticos e altos cargos públicos no último ano. Secretário de Estado acredita que nova lei vai ajudar investigações judiciais futuras.

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Novas regras para evitar crimes de colarinho branco daniel rocha

Os negócios financeiros e de imobiliário de clientes que tenham desempenhado, nos últimos 12 meses, um cargo político ou um alto cargo público vão ter regras mais apertadas logo à partida. O Governo entregou uma proposta de lei na Assembleia da República que obriga empresas financeiras e um vasto leque de não financeiras a vigiarem desde o início transacções em que uma das partes seja considerada uma "pessoa politicamente exposta" (PPE), o que inclui políticos, ex-políticos, juízes de tribunais superiores, familiares mais próximos e sócios.

O documento chegou agora ao Parlamento e ainda vai sofrer alterações, mas a proposta do Executivo - que transpõe as recomendações do Grupo de Acção Financeira Internacional e da directiva europeia - obriga empresas a identificarem situações de risco dos seus clientes e a comunicarem às autoridades sempre que se depararem com operações suspeitas, além de lhes permitirem pôr travão a essas mesmas transacções.

Os deveres serão alargados a mais entidades, além das financeiras, incluindo instituições do sector imobiliário e dos jogos, mas também empresas que de algum modo tenham ligações a esses ramos, como sociedades de advogados, consultoras, auditores, contabilistas ou notários, agentes desportivos ou negociadores de diamantes em bruto ou ainda empresas que transaccionem em numerário acima de dez mil euros (até aqui o limite era de 15 mil).

"Este sistema baseia-se na ideia de que há um conjunto de entidades que intervêm em operações com acções que têm riscos de branqueamento, que são tipicamente as instituições financeiras, imobiliárias e de jogo", explica ao PÚBLICO o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Rocha Andrade.

O governante admite que a legislação é "ambiciosa" e não é de "simplificação", mas que deriva de uma obrigação europeia e de recomendações internacionais que estão a ser seguidas por vários países. Na prática, a proposta de lei aprofunda os deveres das empresas de reportarem às autoridades situações de risco. "O que esta proposta de lei faz é um alargamento do âmbito destes reportes, como um alargamento do tipo de operações abrangidas e ainda em termos de valor ou das entidades envolvidas", acrescenta. 

Assim, a responsabilidade pela prevenção de casos de branqueamento de capitais começará logo nas empresas. Mariana Ferreira Martins, da Telles de Abreu Advogados, lembra que com esta proposta, "ainda embrionária", a lei passa a abranger um leque "muito mais alargado de entidades", além de se estender também a definição de PPE. Um alargamento que levanta "dúvidas". Para a advogada, a legislação "serve para as empresas avaliarem operações suspeitas", terem a obrigação de as reportar e se algo acontecer, "não poderem negar desconhecimento".

E como se processa este novo sistema?

Assim que um cliente se dirigir a uma empresa que esteja abrangida por estas regras, terá de preencher um formulário respondendo a várias perguntas sobre o seu trabalho e sobre o seu currículo, onde poderá ser possível identificar se é considerado PPE e se por isso está ou não abrangido pelas regras mais apertadas de vigilância.

Depois, caberá à "direcção de topo" das empresas decidir sobre a relação com o cliente, criando assim uma responsabilização na hierarquia das empresas sobre situações específicas. Mas os deveres não ficam por aqui. Além disso, as empresas têm de tomar "as medidas necessárias para conhecer e comprovar a origem do património" dos clientes, bem como de todos os "fundos envolvidos nas relações de negócio, nas transacções ocasionais ou nas operações em geral" quando são PPE que estão envolvidas, lê-se na proposta de lei. 

Até agora, a legislação não é clara sobre os deveres e a possibilidade de controlo sobre os negócios que envolvem pessoas politicamente expostas. A lei em vigor (de 2008) apenas faz referência a PPE que residam fora de Portugal. Contudo, a partir de 2013, os bancos e instituições de crédito passaram a ter de identificar estes clientes e monitorizar os riscos nas transacções financeiras que os envolviam, não por causa da legislação, mas por imposição do Banco de Portugal.

Se esta nova proposta for aprovada nos termos em que entrou no Parlamento, passam a ser abrangidos os PPE residentes e não residentes em Portugal, abrangendo por exemplo "membros de governos de outros países", explica o secretário de Estado, e deixam de ser apenas as instituições financeiras a ter estes deveres de controlo.

Nova lei permite ajudar "investigação"

O governante acredita que estas mudanças na lei permitirão ajudar ou mesmo encetar investigações judiciais sobre crimes de índole financeira como o braqueamento de capitais ou a corrupção. Como as empresas terão de comunicar se houver suspeita numa operação, estas serão "fundamentais para iniciar investigações".

Até porque aliadas a estas mudanças há um reforço dos poderes de investigação do departamentos judiciais de investigação. Lembra o governante que muitas vezes há queixas de falta de cooperação, quando o que se passa é a inexistência de informação que possa ser cedida às autoridades. "Com a conservação de elementos por parte destas empresas, quando há uma investigação, é possível solicitar os elementos relativos a cada operação. Torna a investigação mais simples", defende. 

Além disso, como é uma legislação europeia que irá ser adoptada por vários países, haverá uma troca de informações mais facilitada.

O que é uma "pessoa politicamente exposta"?

O termo jurídico “pessoa politicamente exposta” já existe há 12 anos, numa das primeiras directivas europeias que apertava as regras ao crime de branqueamento de capital. Em Portugal, a primeira vez que chegou à legislação foi em 2008, lei que será agora alterada. O conceito de pessoa politicamente exposta inclui todas as pessoas que desempenham ou desempenharam, nos últimos 12 meses, cargos políticos ou altos cargos na estrutura do Estado, mas estende-se a membros da família ou "pessoas que reconhecidamente tenham com elas estreitas relações de natureza societária ou comercial", que pela natureza do cargo que desempenharam estão sujeitas a um maior risco de corrupção. Na longa lista de cargos abrangidos, além de chefes de Estado, ministros, secretários e subsecretários de Estado e deputados, estão também juízes de tribunais superiores, dirigentes de empresas públicas ou altas patentes das Forças Armadas.

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