Continua boa, a conversa das galerias portuguesas com o Brasil
Da habituée Filomena Soares aos recém-chegados Francisco Fino e Madragoa, é unânime que a viagem à 13.ª SP-Arte foi muito bem-sucedida. Há negócios consumados e projectos à vista – apesar da crise.
A crise está lá, eventualmente para durar, mas parece ter ficado à porta da 13.ª edição da SP-Arte – pelo menos para as cinco galerias portuguesas que estiveram este ano na maior feira de arte da América Latina, a dura realidade da economia brasileira não parece ter atrapalhado demasiado os contactos, ou mesmo os negócios. Bem pelo contrário, são notícias de um país paralelo, estas que nos chegam da ronda de contactos pós-São Paulo: “A feira está com muita força, senti o mercado entusiasmado – e eu não fui preparada para isso, fui preparada para encontrar um mercado quebrado, para encontrar uma São Paulo quebrada. Foi bem surpreendente, porque a crise no Brasil está pesada e a SP-Arte poderia ter sido um fiasco”, diz ao PÚBLICO Andrea Baginski, natural do Rio de Janeiro mas com galeria aberta em Lisboa desde 2009.
O caso de Bruno Cidra – o artista que a Baginski levou ao Solo, o sector especial da feira dedicado a projectos individuais – com o mercado brasileiro ainda é um work in progress porque há uma residência no espaço Pivô, também em São Paulo, a decorrer nos próximos três meses e é preciso esperar para ver o que sai daí. “Neste momento o Bruno continua lá a trabalhar com curadores, o trabalho dele ainda está a ser visto, isto ainda não acabou; é preciso mais tempo para termos um feedback definitivo desta passagem”, continua aquela que terá sido a primeira galerista estrangeira a ter um stand na SP-Arte, em 2006 (“Deu muito certo, levei a Cecília Costa e foi um sucesso na altura”). Em todo o caso, ressalva Andrea, esta participação individual já foi uma experiência “sensacional para um artista ainda jovem, apesar de representado em colecções importantes (Serralves, Cisneros, EDP)”.
Tanto por razões pessoais como pelo “posicionamento estratégico da galeria”, a presença na SP-Arte é instrumental para a Baginski, que embora não tendo picado fielmente o ponto todos os anos vem trabalhando de perto com coleccionadores brasileiros a partir da feira. O mesmo se passa com a Filomena Soares, outra habituée. Apesar da interrupção em 2016 “devido à desvalorização do real”, a edição que terminou no passado dia 9 foi a sétima em que a galeria lisboeta participou – e mais uma vez ficou provado, constata Manuel Santos, que “São Paulo é um óptimo mercado, com grande poder económico”. Dentro do Pavilhão Ciccillo Matarazzo onde a galeria mostrou obras de Dan Graham e Helena Almeida num stand do sector Repertório, “nota-se que a economia está em alta”, continua o galerista, e o regime especial de tributação em vigor durante os cinco dias da feira e os dois que se lhe seguem permitiu à Filomena Soares fazer “boas vendas para coleccionadores privados brasileiros”.
Também para a kubikgallery, que abriu no Porto em 2009, o Brasil é um filão a explorar – e não apenas durante a semana da SP-Arte. João Azinheiro já é um pouco da casa – foi director de uma galeria paulista, a Baró, com a qual participou duas vezes na feira –, e decidiu mesmo abrir um escritório em São Paulo para poder capitalizar as relações que ali criou com coleccionadores e curadores e “dar resposta a um conjunto de clientes” que já não é residual.
De resto, e porque os negócios se prolongam após o fecho da feira, Azinheiro ainda está em São Paulo “a finalizar algumas vendas” – que “felizmente” foram numerosas, tendo em conta o “forte investimento” que a única galeria portuguesa presente este ano no sector geral da SP-Arte fez para alugar o stand bem espaçoso onde instalou obras de Valter Ventura, Pedro Tudela, Pedro Vaz e Sérgio Fernandes, mas também do inglês Dan Coopey e do eslovaco Juraj Kollár. “Claro que estamos a falar de valores baixos, porque os artistas portugueses ainda são pouco conhecidos no Brasil, e que não paga os dois anos de investimento que fiz, mas ainda assim é muito positivo o saldo, estou extremamente satisfeito”, conta ao PÚBLICO. “Colocámos trabalhos numa das grandes coleccionadoras do Brasil, a Cleusa Garfinkel, e conseguimos vender também para o Instituto Figueiredo Ferraz, do actual presidente da Bienal de São Paulo. Mas também fizemos uma venda engraçadíssima do Sérgio Fernandes a um jovem arquitecto que se apaixonou pela obra – faz parte de uma nova geração de coleccionadores que o Brasil tem e que pode ser um mercado interessante.”
No caso da kubik, o movimento é aliás nos dois sentidos: a relação Portugal-Brasil consuma-se com a presença continuada em São Paulo, mas também no próprio programa da galeria aberta no Porto, que em Maio inaugurará uma individual de Felipe Cohen (São Paulo, 1976) e em Setembro outra de Leda Catunda (São Paulo, 1961). Entretanto, e até ao regresso para a ArcoLisboa, João Azinheiro permanecerá do outro lado do Atlântico “a batalhar por exposições” dos seus artistas.
Por cá, o entusiasmo pelos resultados obtidos nesta edição da SP-Arte estende-se às recém-chegadas Francisco Fino e Madragoa, que se estrearam na feira paulista, respectivamente, com trabalhos de Gabriel Abrantes e Joanna Piotrowska (sector Solo). “Não podia ter corrido melhor”, responde ao PÚBLICO Francisco Fino, notando “o risco” de ter levado “um vídeo”, em princípio mais difícil de vender, para a sua primeira feira internacional. “Foi óptimo em termos de contactos com instituições, curadores e galerias internacionais, de que podem resultar exposições, e conheci imensos coleccionadores brasileiros, muitos deles a viver em Portugal”, explica, acrescentando ter tido duas reservas para A Brief History of Princess X (o vídeo foi lançado numa edição limitada de cinco), uma para uma colecção portuguesa e outra para uma colecção brasileira.
Para Matteo Consonni, da Madragoa, que colocou algumas imagens de Joanna Piotrowska “em boas colecções do Brasil”, este é, definitivamente, “um mercado a construir”: “Tem um grande potencial porque combina duas coisas: colecções com alto nível de pesquisa, o que nos interessa porque o trabalho da Madragoa lida muito com questões conceptuais difíceis para um mercado ‘normal’; e coleccionadores jovens com quem podemos começar uma conversa.”