Governo dá protecção a denunciantes de branqueamento de capitais
Proposta de lei do Governo cria um regime de protecção da identidade de funcionários de instituições financeiras que denunciem casos de branqueamento de capitais.
Numa altura em que os crimes financeiros estão nas primeiras páginas de jornais, o Governo vai adoptar legislação europeia que cria uma protecção a denunciantes de crimes de branqueamento de capitais ou financiamento a terrorismo.
No preâmbulo da proposta de lei, o Governo reconhece que é necessária uma "actualização" dos instrumentos de combate a este tipo de crimes que usam técnicas cada vez mais sofisticados e têm conhecido uma "constante evolução e adaptação". Um dos instrumentos de combate ao crime, que tem sido essencial ao desenrolar de alguns dos processos judiciais de crimes ditos de colarinho branco, é precisamente a existência de denúncias. Até porque a lei portuguesa não prevê a figura jurídica de "arrependido" como, por exemplo, nos Estados Unidos, o que torna ainda mais relevante a ocorrência de denúncias.
E por isso, na proposta de lei, que ainda vai ser sujeita a debate e alterações na Assembleia da República, o Governo propõe "normas de protecção dos funcionários que comuniquem suspeitas de branqueamento de capitais, no sentido de protecção da revelação da identidade desses funcionários".
Essa protecção traduz-se, na prática, por uma garantia da "confidencialidade sobre a identidade do denunciante" durante o tempo do processo ou até ao momento em que os acusados exijam a sua revelação para se poderem defender.
Contudo, para os casos em que a identidade do denunciante acaba por ser conhecida, a nova legislação - que transpõe uma directiva europeia sobre o combate aos crimes de branqueamento de capitais e de financiamento ao terrorismo - acrescenta uma salvaguarda aos funcionários, impedindo as entidades empregadoras de levarem a cabo "quaisquer ameaças ou actos hostis" e ainda "quaisquer práticas laborais desfavoráveis ou discriminatórias contra quem efectue denúncias às autoridades sectoriais".
Assim, quem denunciar estes casos às autoridades fica ainda a salvo de processos disciplinares, civis ou criminais, com a ressalva que estes podem vir a ser abertos se as denúncias "forem deliberada e manifestamente infundadas".
Esta é apenas uma das alterações introduzidas pela nova legislação relativa à prevenção da "utilização do sistema financeiro e das actividades e profissões especialmente designadas" para efeitos de branqueamento de capitais e combate ao terrorismo. Outra dessas mudanças previstas na proposta prende-se exactamente com o alargamento da sua actuação. Com esta proposta, haverá mais entidades e profissões que passam a estar sujeitas a estas regras. Desta forma, passam a estar abrangidas todas as entidades não financeiras que têm operações em dinheiro vivo acima de 10 mil euros, bem como "as instituições de pagamento e de moeda electrónica estrangeiras que actuem através de agentes ou distribuidores, bem como as entidades gestoras de plataformas de financiamento colaborativo".
Esta alteração legislativa ainda não está completa: faz parte de um conjunto de directivas europeias que visam não só o combate a crimes financeiros como a protecção de clientes em relação a práticas de instituições financeiras. Falta ainda chegar à Assembleia da República a transposição de outra directiva que muda as regras de relação entre os clientes e os bancos, impedindo, por exemplo, entidades financeiras de comercializarem ao balcão produtos financeiros qualificados dos grupos a que pertencem.
O debate sobre este assunto já começou no Parlamento há alguns meses e terá desenvolvimentos nas próximas semanas. Algumas propostas sobre este tema já foram debatidas no grupo de trabalho e algumas foram até aprovadas numa primeira fase. Por exemplo, passou a ser obrigatória a publicação anual das transferências para paraísos fiscais. E, mais do que isso, foi também aprovada a obrigatoriedade de registo dos accionistas dos bancos mas também a identificação dos beneficiários efectivos das entidades que participem no seu capital, isto é, a intenção é saber quem são os verdadeiros donos de participações qualificadas.
Esta medida já aprovada cruza-se com esta proposta do Governo, uma vez que será criada uma base de dados com os registos dos beneficiários efectivos até porque, defende o executivo no preâmbulo da legislação, é importante a "troca de informações entre autoridades" e uma melhor "cooperação nacional e internacional".