O destino da Europa ainda está em aberto
A Europa ocupa o centro do debate francês com uma particularidade que nem sempre esteve persente em eleições anteriores.
1. Com as sondagens a variarem todos os dias e a sorte dos favoritos muito longe de uma clarificação (ainda ninguém conseguiu fugir ao pelotão da frente), os governos europeus, quase todos, não querem excluir o cenário pior. Ainda têm na memória aquela manhã de Novembro em que terão ido dormir descansados para acordarem na manhã seguinte com Donald Trump na Casa Branca. É praticamente unânime a convicção de que a integração europeia só muito dificilmente sobreviveria a um tiro certeiro no seu centro político. Com a última milha para percorrer, tudo parece ser ainda possível, incluindo o cenário fatal de uma vitória de Marine Le Pen, a candidata que promete tirar a França da Europa e do euro e que ontem voltou a tocar no tema proibido do destino dos judeus em França, durante a guerra. Muito mais do que o “Brexit”, seria um tsunami que deixaria pouca coisa de pé. Entretanto, os últimos dias baralharam ainda mais o jogo. A subida de Jean-Luc Mélenchon apenas vem confirmar que os eleitores ainda não tomaram a sua decisão final. Mélenchon, um veterano da esquerda radical, promete a revisão dos tratados europeus e, no mínimo, pôr o Banco de França a imprimir euros. No máximo, a França deveria sair da moeda único, tal como da NATO. Nem é preciso dizer que uma solução à Syriza seria praticamente impensável.
2. A Europa ocupa o centro do debate francês com uma particularidade que nem sempre esteve persente em eleições anteriores: são claras e são divergentes as posições dos quatro candidatos (incluindo Mélenchon) sobre a União Europeia que defendem (ou que não defendem), tornando-a uma questão ainda mais vital no que toca a saber quem ganha. Nos extremos, ainda que distintos, o nacionalismo de Marine é mais assustador que o populismo radical de Mélenchon. Mas ambos partilham a convicção de que a integração europeia é, em si mesma, um mal. Noutras matérias, como o lugar da França no mundo, o candidato da esquerda radical também não se distância demasiado de Marine, favorita do Kremlin. Mesmo que não tencione visitar Putin, não o olha como uma ameaça.
3. Com o candidato do PS desaparecido em combate (porquê escolher uma imitação, se o original está disponível?), o candidato da direita republicana não esconde o seu apreço pelas velhas pulsões gaullistas. Quer uma “Europa das Pátrias” (ou das “Nações”), cara a De Gaulle, desvalorizando o papel da Comissão. A direita francesa foi sempre mais soberanista do que o centro-esquerda. Fillon votou contra Maastricht. Não contesta a importância do eixo Paris-Berlim (sem ele, a França corria o risco de ser apenas mais um), e promete uma revolução económica, ajustando as finanças às regras europeias. Foi recebido por Angela Merkel em Janeiro. Na altura, a chanceler deu a entender só o receberia a ele (pertencem ambos ao PPE). O seu pragmatismo, somado aos escândalos que envolvem o “seu” candidato, já a levaram a corrigir o tiro e a convidar Macron para um almoço na chancelaria. Sabe que, com ele, não correrá grandes riscos.
Para Emmanuel Macron, ao contrário de todos os seus rivais, a Europa é o lugar natural da França e a sua melhor aposta. A crise apenas se resolve com mais partilha de soberania. O euro, para não soçobrar na próxima crise, tem de dispor de mais instrumentos comuns, incluindo um orçamento próprio. Não é a ortodoxia alemã, embora o candidato queira levar a cabo reformas que Berlim aprecia e já se comprometeu com um défice abaixo dos 3%. Merkel talvez não se tenha esquecido que ele defendeu publicamente a sua política de portas abertas para os refugiados. Fillon, com a sua “simpatia” pela Rússia e a sua antipatia pelos EUA e pela China (depois da última barbárie de Assad teve de juntar a Rússia aos outros dois “inimigos”), seria um incómodo para a Alemanha e para os países que não desistiram da aliança transatlântica nem de olhar para a Rússia como uma ameaça que não se pode ignorar.
4. Para os países do Sul, o resultado das eleições francesas não é menos importante. E não apenas por causa de Le Pen, mas porque a França continua a ser fundamental para encontrar um equilíbrio que não faça deles eternos perdedores da união monetária. Paul Taylor escrevia no site do Politico um título que resume quase tudo: “Para onde vá a França, vai a Europa”. É mais ou menos isso. Incluindo a capacidade das suas democracias de vencerem a tentação populista e autoritária que continua a mobilizar muita gente.