Estudante de Évora julgado por traficar droga em residência da universidade
Polícia encontrou uma grande quantidade de cannabis no quarto do aluno de 22 anos, entretanto acusado de tráfico. "Foi a primeira vez que sucedeu", diz vice-reitora Ausenda Balbino.
Na rusga que a polícia efectuou à residência universitária onde vivia um estudante de 22 anos da Universidade de Évora foi encontrada uma quantidade de cannabis suficiente para várias centenas de doses. Estava repartida em frascos de vidro, latas ou outras embalagens, em gavetas de diferentes armários e secretárias do quarto e da entrada ou escondidos atrás de vasos na varanda. Envelopes com dinheiro, várias facas com resíduos de estupefaciente e uma balança digital foram também apreendidos.
O objectivo, acusa o Ministério Público (MP), era a venda da droga, ali mesmo, dentro daquela que é a maior das sete residências da Universidade de Évora — a residência António Gedeão, com três pisos e 220 quartos —, ou então perto da entrada principal.
Pelo menos cinco estudantes compraram droga a este colega, directamente, na residência. Outras pessoas, estudantes e outras exteriores à instituição de ensino, encontravam-se com ele para comprar o estupefaciente lá fora.
O negócio era conduzido apenas por este aluno, concluiu o MP, que o acusou de tráfico de droga agravado. O inquérito foi conduzido pelo Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Évora, que deduziu acusação em Novembro de 2016.
Para os pais e os irmãos de uma “família socialmente favorecida”, o envolvimento do jovem neste negócio ilegal foi um “choque”, lê-se no relatório da equipa de reinserção social, que acompanha a medida de coacção imposta: prisão domiciliária com vigilância electrónica, desde 7 de Julho de 2016, depois de duas semanas preso no Estabelecimento Prisional de Beja. O julgamento começou no final de Março no Tribunal Judicial de Évora. A sentença será conhecida a 26 de Abril.
O jovem estava no 3.º ano da licenciatura, fazia desporto, obteve vários títulos em campeonatos distritais e nacionais, de iniciados, juvenis e juniores. Até que o seu comportamento levantou suspeitas.
O funcionário da empresa de segurança contratada para fazer a vigilância da residência apercebeu-se das “entradas e saídas curtas do aluno”, que se encontrava com “grupos de três ou quatro alunos e voltava para a residência”, várias vezes durante uma mesma noite. Por vezes, “apareciam uns carros que levantavam dúvidas”.
“Não se coibiu o arguido de proceder à venda dos produtos estupefacientes no interior da residência universitária aproveitando o contacto directo que podia estabelecer com os estudantes universitários que aí residiam, movido pela facilidade com que o fazia e os ganhos obtidos com essa actividade”, lê-se no despacho de acusação. “Vendia, diariamente e em proveito próprio, produtos estupefacientes aos estudantes universitários” que viviam na residência e “se deslocavam ao quarto do arguido” em troca de pagamento em dinheiro.
Durante pelo menos quatro meses, foi este o cenário a que assistiu quem estava de vigilância à residência, de acordo com o processo consultado pelo PÚBLICO no Tribunal Judicial de Évora. Assistentes operacionais (presentes durante o dia) da residência António Gedeão e um funcionário de uma empresa de segurança notaram, como disseram à polícia, “movimentações estranhas”.
“Foi a primeira vez que isto sucedeu. Identificámos comportamentos estranhos com carros a parar junto à residência, mesmo durante a noite, e avisámos a polícia. Nunca tinha acontecido, que nós tivéssemos conhecimento, não”, disse a vice-reitora Ausenda de Cáceres Balbino ao PÚBLICO, numa entrevista telefónica.
A responsável, que falava em nome da reitora Ana Costa Freitas, confirmou que o aluno só poderá regressar à universidade a partir do segundo semestre do próximo ano lectivo. “Foi um imprevisto e ficámos preocupados.”
Tráfico de droga agravado
O aluno, que foi suspenso e arrisca uma pena de prisão efectiva, “vê com apreensão o desfecho do processo, e teme pelas consequências para o seu futuro e dos seus familiares”, prossegue o relatório da equipa de reinserção social.
Tal como prevê o art.º 24 do D.L. 15/93, de 22 de Janeiro, foi acusado pelo crime de tráfico de estupefacientes agravado por ser “em estabelecimento de educação, ou em outros locais onde os alunos ou estudantes” se dedicam “à prática de actividades educativas, desportivas ou sociais, ou nas suas imediações”.
Durante a investigação, o juiz autorizou escutas e captação de imagem para obtenção de prova. O mandado de busca foi autorizado a qualquer hora do dia ou da noite, “com arrombamento de portas”, se necessário — não o foi.
A 22 de Junho, a busca à residência começou às 8h30 e o estudante foi detido para interrogatório e depois conduzido à cadeia, tendo-lhe sido aplicada prisão preventiva. Em Julho, a medida de coacção foi revista e o estudante ficou com Obrigação de Permanência na Habitação com Vigilância Electrónica e impedido de contactar os colegas e amigos com quem privava na universidade ou a quem vendia haxixe ou cannabis que trazia do local da residência dos pais, Almada, onde por vezes ia passar fins-de-semana.
Universidade atenta
Entre as testemunhas de defesa estão professores do aluno que, de acordo com o relatório da Reinserção Social, sempre teve um percurso escolar bem-sucedido e actividades extracurriculares e desportivas. “A qualidade e prestígio da formação” na Universidade de Évora foi uma das razões por que escolheu o curso nesta instituição de ensino superior.
Agora, está suspenso e impossibilitado de frequentar as aulas e os exames, durante um ano, a contar da data da decisão, em Janeiro de 2017. “Vai ter outra oportunidade de se inscrever na Universidade de Évora”, garantiu Ausenda Balbino. Mas nunca poderá ficar alojado numa residência universitária do país no futuro.
Essa é uma das sanções impostas pela acusação no processo disciplinar instaurado. O regulamento do alojamento em residências universitárias dos Serviços de Acção Social aponta como infracção “possuir, consumir, traficar, incitar ao consumo ou fomentar a circulação de estupefacientes nas residências universitárias”. E a universidade manifestou, na altura, a intenção de “alertar que no futuro actuações desta tipologia não poderão ser toleradas tendo em vista o bom nome e reputação da Universidade de Évora”, lê-se no processo disciplinar junto ao processo judicial.
Não vai haver reforço da vigilância, mas “um olhar mais atento sobre esta questão” em todas as residências da universidade e, em particular, nesta que é a maior e que dispõe de um assistente operacional por cada um dos três pisos, a fazer a vigilância do dia, e um segurança — dia e noite — à porta. “Já havia um controlo de todas as residências mas depois desta situação ficámos mais atentos”, diz Ausenda Balbino.
Percurso interrompido
O estudante tinha concluído com aproveitamento os dois primeiros anos do curso de licenciatura, depois de um processo de desenvolvimento “adequado” numa família que promoveu a aquisição de competências escolares, culturais, sociais e desportivas. Manteve a prática desportiva de forma regular e foi voluntário numa Associação de Paralisia Cerebral do distrito de Lisboa e na Associação Cais. O terceiro ano do curso foi interrompido pela sua detenção, no âmbito do processo judicial, e pela suspensão, no quadro do processo interno da universidade.
No relatório da Reinserção Social lê-se: o aluno quer reconstruir os seus projectos, antecipa algumas das dificuldades que poderá vir a ter neste percurso e está consciente das possíveis adversidades pessoais e sociais que enfrentará. No caso de ser condenado, a coordenadora da equipa considera estarem reunidas as “condições para o cumprimento de uma pena na comunidade”, já que beneficia do apoio da família, deixou o consumo de haxixe, compromete-se a manter esse comportamento e cumpriu e respeitou todas as condições e regras impostas pela medida de prisão domiciliária.