ETA entregou as armas, mas Madrid garante que nada mudou
Lista passada por intermediários incluía oito esconderijos, todos já sob controlo da polícia francesa. Operação decorreu sem incidentes.
Quase três toneladas de explosivos, 118 armas e mais de 25 mil munições. Foi com a entrega deste arsenal – tudo quanto ainda tinha sob o seu controlo, afirma – que a ETA pôs fim a cinco décadas de luta armada. Foi um dia “histórico” para o País Basco, afirmaram os activistas e mediadores envolvidos no desarme; uma consequência inevitável da “derrota” do grupo armado que não altera em nada a posição do Governo espanhol, respondeu Madrid.
O processo, cuidadosamente preparado desde que a ETA anunciou, a 17 de Março, a intenção de entregar as armas, começou ainda de madrugada, com a divulgação de uma carta enviada à BBC em que o grupo se definia como uma “organização desarmada”. “Pegámos em armas pelo povo basco e agora entregamo-las nas suas mãos para que os bascos continuem os passos necessários para atingir a paz e a liberdade.” Às primeiras horas da manhã, em Baiona, no País Basco francês, Jean-René Etchegaray, um dos principais rostos dos “artesãos da paz” – intermediários oriundos da sociedade civil e representantes da região – entregou uma pasta com dados sobre a localização e conteúdo de oito esconderijos ao presidente da Comissão Internacional de Verificação (CIV), Ram Manikkalingam.
Menos de meia hora depois, escreve o jornal francês Le Monde, a lista estava na posse da polícia francesa, que de imediato enviou agentes aos locais identificados, numa operação acompanhada por cerca de uma centena de voluntários cuja missão era assegurar que tudo decorria como planeado – um dos receios era que fossem detidos os donos das propriedades onde estavam localizados os esconderijos. A meio da tarde a operação foi dada como terminada, sem incidentes, na mesma altura em que milhares de pessoas, muitas vindas do outro lado da fronteira, se reuniam em Baiona para celebrar o desarmamento.
“Fico muito feliz quando vejo um conflito terminar e as armas serem entregues”, afirmou Manikkalingam, dando por terminada a missão da CIV, criada em 2011, quando a ETA anunciou o fim das acções terroristas, sem no entanto entregar os seus arsenais. “Este é um grande passo”, um “dia incontestavelmente importante”, admitiu o ministro do Interior francês, Mathias Fekl, que, em articulação com as autoridades espanholas, permitiu a concretização da entrega das armas, realizada meses depois de uma primeira tentativa ter sido frustrada por uma operação policial.
A Audiência Nacional espanhola, responsável por investigar acções de terrorismo, pretende analisar as armas entregues. Dos mais de 800 homicídios atribuídos ao grupo 300 continuam por resolver e nestes arsenais podem esconder-se pistas importantes. Madrid não esconde algum cepticismo sobre o desarme – a própria ETA admitiu ter perdido o rasto a alguns esconderijos mais antigos – mas, mais do que isso, diz que só a “dissolução definitiva” do grupo lhe interessa. “Os terroristas não podem esperar nenhum tratamento de favor do Governo e muito menos a impunidade pelos seus delitos”, lê-se num comunicado do executivo de Mariano Rajoy. Uma clara negativa ao repto lançado por Arnaldo Otegi, o líder da esquerda abertzale (nacionalista), que foi a Baiona defender que, concretizado o desarmamento, é tempo de iniciar a discussão sobre a “situação dos presos” da ETA – 400 detidos que há muito exigem ser transferidos para o País Basco – e a “desmilitarização do Euskadi”.