Há quase mil milhões de pessoas que fumam todos os dias
Relatório analisou dados de 195 países entre 1990 e 2015 e conclui que, embora a percentagem de fumadores tenha diminuído, o número de fumadores aumentou. Há alguns progressos, mas “a guerra contra o tabaco está longe de estar ganha”, concluem os especialistas.
A percentagem de fumadores baixou nos últimos 25 anos mas, ainda assim, em 2015 um em cada quatro homens e uma em cada 20 mulheres fumaram todos os dias. Em 1990 havia um fumador em cada três homens e uma fumadora em cada 12 mulheres. Portugal acompanha a média mundial nos homens, mas nas mulheres o caso muda de figura: uma em cada oito portuguesas fumava diariamente em 2015. Estes e outros dados sobre a epidemia do tabaco estão no relatório divulgado esta quarta-feira na revista The Lancet pelo grupo de especialistas que coordena o projecto Global Burden Diseases (GBD).
“A guerra contra o tabaco está longe de estar ganha”, concluem os peritos que analisaram os dados de 195 países entre 1990 e 2015 e que aconselham mais e melhores estratégias de combate adequadas à realidade de cada país.
A percentagem de fumadores diminuiu, mas o número de pessoas que fumam todos os dias aumentou. Parece contraditório mas não é. A explicação é o aumento da população mundial. Apesar dos resultados dos programas de controlo do tabaco em vários países que conseguiram reduzir a percentagem de fumadores, o aumento da população mundial faz com que existam mais pessoas a fumar. Em 2015 havia 933 milhões de pessoas no mundo a fumar todos os dias, o que representa cerca de 15,3% da população mundial. Em 1990 eram 870 milhões, ou seja, 29,4% da população mundial.
As mortes atribuíveis a este vício também aumentaram. Em 2015 mais de uma em cada dez mortes (um total de 6,4 milhões de mortes) foi causada pelo tabaco, o que representa um aumento de 4,7% desde 1990. Mais de metade destas mortes ocorreu em apenas quatro (populosos) países: China, Índia, EUA e Rússia. Em relação às mortes provocadas pelo tabaco, o relatório não faz nenhuma referência específica a Portugal, mas os dados mais recentes da Direcção Geral da Saúde (publicados em 2016) apontam para 12.350 mortes em 2013, ou seja, 11% dos óbitos no país. Questionada pelo PÚBLICO, a equipa que elaborou o relatório do GBD adiantou que, em 2015, morreram 10.705 pessoas (9009 homens e 1696 mulheres) por causa do tabaco em Portugal. Sobre o número de fumadores diários em 2015 no país, refere ainda que eram 570 mil mulheres e 1,1 millhões homens.
O GBD mostra que, apesar de algumas tendências comuns, há diferenças na concentração geográfica do problema, sobretudo das mulheres. Por isso, concluem os especialistas, as estratégias de combate têm de ser adaptadas para atingir homens e mulheres. Segundo o GBD, Portugal que tem ainda tem uma elevada percentagem de mulheres fumadoras (12,7% das mulheres, o que representa uma em cada oito portuguesas, sendo que a média mundial é de 5,4%). Em 25 anos, registou-se um aumento de 1,3% de fumadoras no país. Mas, apesar do mau resultado neste indicador, o relatório do GBD não tem nenhuma referência especial a Portugal, nem positiva, nem negativa. No capítulo feminino, é a Rússia que merece um destaque negativo no relatório que assinala que a percentagem de mulheres fumadoras passou de 7,9% em 1990 para 12,6% em 2015, um aumento de 52,2%.
Bom e mau aluno, o Brasil e a Indonésia
Os dez países com mais fumadores em 2015 (China, Índia, Indonésia, EUA, Rússia, Bangladesh, Japão, Brasil, Alemanha e Filipinas) representam quase dois terços (63,6%) de todos os fumadores no mundo. A China é um impressionante exemplo com 254 milhões de homens fumadores. No lado feminino do problema, os EUA com 17 milhões de fumadoras passam à frente da China com 14 milhões. E há países onde os fumadores parecem ser imunes aos alertas sobre os malefícios do tabaco e, por isso, a epidemia continua confortavelmente instalada. É o caso da Indonésia, do Bangladesh e Filipinas onde a prevalência dos homens se mantém há 25 anos, registando em 2015 percentagens de 46,7%, 38% e 34,5% (respectivamente). Bem acima, assim, dos 25 % da média mundial, sendo que a Indonésia se destaca pelos piores motivos, com quase dois em cada quatro homens a fumar todos os dias.
Pelo contrário, o GBD aplaude, por exemplo, os resultados do Brasil na “guerra contra o tabaco”. O ponto de partida não era dos melhores: em 1990, 28,9% dos homens e 18,6% das mulheres fumavam. Passados 25 anos, a prevalência desceu para 12,6% e 8,2%.
“Há algumas histórias de sucesso mas o tabaco continua a principal causa de morte e incapacidade em 100 países em 2015”, nota Emmanuela Gakidou, responsável do Instituto para Avaliação e Métricas da Saúde, da Universidade de Washington (Seattle, EUA), que coordena este trabalho. O impacto negativo do tabaco vai continuar a ser significativo se as políticas adaptadas não forem fortalecidas, avisa a especialista num comunicado da revista The Lancet, adiantando que acredita que o sucesso é possível mas só com “mais políticas e leis e mais agressivas”. A adopção das normas para o controlo do tabaco definidas em 2003 pela Organização Mundial da Saúde e ratificadas por (apenas) 180 países e o reforço das medidas em 2008 é um passo essencial nesta luta, sublinham os peritos.
Num comentário sobre os dados do GBD, também é publicado na revista The Lancet, John Britton, da Universidade de Nottingham (no Reino Unido), faz outro alerta: “Actualmente, a epidemia do tabaco está a ser exportada dos países ricos para os países em desenvolvimento, escapando ao radar enquanto outras prioridades aparentemente mais urgentes ocupam e absorvem os recursos humanos e financeiros. A epidemia das mortes por causa do tabaco vai progredir inexoravelmente pelo mundo se o controlo tabágico não for reconhecido como uma prioridade imediata para o desenvolvimento, investimento e investigação.”