Trump recebe Sissi, e os direitos humanos não são fundamentais

Lutar contra a repressão em Estados autoritários e defender os valores da democracia passa a ser algo que se faz de "forma discreta" na Administração norte-americana, numa clara inversão do caminho seguido pelos últimos Presidentes.

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Obama não classificou abertamente a tomada do poder por Sissi como um golpe de Estado Mohamed Abd El Ghany/REUTERS

O Presidente egípcio, Abdel Fattah el-Sissi, é nesta segunda-feira recebido na Casa Branca de Donald Trump, que diz ter ficado a dar-se muito bem com este ex-general que despiu a farda depois de ter tomado o poder num golpe de Estado, em 2013, em que afastou o Presidente eleito e reprimiu violentamente os que se lhe opunham. Mas o cumprimento dos direitos humanos deixarão de ser um ponto de honra na relação dos EUA com o Egipto e outros Estados árabes, esclareceu um porta-voz da Casa Branca.

É uma clara inversão do caminho que seguiram pelo menos os dois últimos Presidentes norte-americanos, de cores políticas diferentes. George W. Bush fez da promoção da democracia no mundo uma prioridade, e Barack Obama usou a arma da pressão diplomática e mediática para tentar forçar Estados autoritários a aliviar a repressão.

Mas o Egipto tem sido considerado um aliado fundamental dos EUA no Médio Oriente. Por isso Obama não classificou abertamente a tomada do poder por Sissi como um golpe de Estado – ele posteriormente organizou eleições. Mas face à prisão generalizada dos opositores, os julgamentos em que grande número deles eram processados de uma só vez, e muitos condenados, os EUA suspenderam e depois reduziram temporariamente a ajuda militar ao país.

Ficou ainda fora do alcance do Cairo a compra de armamento de maior dimensão, como os caças F16, que os militares egípcios gostariam de ter para combater a rebelião no Sinai, que foi infiltrada pelo Daesh. E nunca Sissi foi a Washington enquanto Obama esteve na Casa Branca.

A esperança, para Sissi, que reconstruiu um regime – e um look – que faz recordar bastante o de Hosni Mubarak, deposto na revolta popular de 2011, uma das Primaveras Árabes, é que com a chegada de Donald Trump tudo mude. Os sinais são-lhe favoráveis. Os assessores da Casa Branca que falaram aos jornalistas sobre a visita disseram que os direitos humanos continuam a ser uma preocupação – mas que o Presidente americano preferirá lidar discretamente com estes problemas. Os temas que estarão à boca de cena serão a cooperação militar e a economia – ouro sobre azul para Sissi.

Sinal para toda a região

E não será apenas com o Egipto que os EUA estão a assumir esta posição. O secretário Rex Tillerson anunciou na semana passada que serão levantadas todas as condições de cumprimento dos direitos humanos por parte do Bahrein para que se realize a venda de 19 caças F16 e outro armamento norte-americano. Este reino do Golfo Pérsico também tem uma revolta xiita, relacionada com as Primaveras Árabes, que tem reprimido violentamente, e é o país onde está estacionada a 5.ª Frota da Marinha norte-americana.

Esta mudança de atitude da Administração americana terá uma leitura atenta por países como a Arábia Saudita, sublinha o New York Times. Em Dezembro, Obama tinha bloqueado a venda pela empresa Raytheon de 16 mil kits de munições guiadas, que fazem as bombas procurar o alvo, devido às preocupações crescentes com a forma como os sauditas conduzem a guerra no Iémen. Estas posições do Departamento de Estado e da Casa Branca indiciam que esta decisão pode ser revertida, dizem analistas.

Apesar de uma proposta de legislação para considerar a Irmandade Muçulmana uma organização terrorista ter chegado ao Congresso ainda antes de Donald Trump ter tomado posse, com apoio da nova Administração, e promovida pelo ex-candidato presidencial republicano Ted Cruz, o Presidente egípcio não deverá ter essa satisfação. Abdel Fattah el-Sissi ilegalizou o partido do Presidente que depôs e prendeu, Mohamed Morsi, considerando-o uma organização terrorista. Mas os conselheiros de Trump têm debatido a possibilidade de fazer o mesmo com a Irmandade e, segundo o New York Times, essa decisão poderia alienar muçulmanos mais moderados, favorecendo organizações violentas como a Al-Qaeda. 

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