Como será pago o dinheiro injectado e perdido no Novo Banco?

A contribuição extraordinária criada em 2010 para reduzir o défice está agora consignada para devolver aos poucos aquilo que foi necessário para capitalizar o banco.

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Novo Banco foi vendido ao fundo Lone Star Reuters/STRINGER

Como se esperava, não será pela venda do Novo Banco que o dinheiro que o Estado emprestou ao Fundo de Resolução e este injectou na instituição bancária poderá ser recuperado. A solução passa agora, no meio de um cenário de debilidade generalizada no sector, pela continuação do pagamento pelos bancos de uma contribuição anual que inicialmente, apenas servia para reduzir o défice.

E foi por isso que, no dia em que anunciou a operação de venda do Novo Banco, António Costa voltou a garantir que "não existirá impacto, directo ou indirecto, nas contas públicas nem novos encargos para os contribuintes". Mas para perceber exactamente como é que, depois de se injectarem 3900 milhões de euros num banco e vendendo 75% do seu capital por zero, se pode falar de um impacto nulo para os contribuintes, é necessário recuar até 2010, o momento em que foi criada a contribuição sobre o sector bancário.

Com o país sobre forte pressão dos mercados e das autoridades europeias para pôr em prática medidas de consolidação orçamental de efeito rápido, o Governo liderado por José Sócrates decidiu lançar uma contribuição sobre os bancos, que na altura registavam ainda lucros assinaláveis (o BES apresentou em 2010 lucros de 510 milhões de euros).

Inicialmente a taxa da contribuição variava entre 0,01% e 0,05% do passivo do banco, deduzido de fundos próprios de base ou complementares e dos depósitos abrangidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos. Para além disso, aplicava-se ainda uma taxa entre 0,0001% e 0,0002% sobre os instrumentos financeiros derivados fora de balanço de cada banco.

Alguns banqueiros manifestaram logo na altura o seu descontentamento, mas José Sócrates defendeu a medida afirmando que era “de elementar justiça” e explicando que o objectivo era garantir que o Estado, quando for necessário socorrer um sinistro num sistema financeiro, tenha já o dinheiro suficiente para o fazer”.

No entanto, na altura, o valor desta contribuição não servia para financiar o Fundo de Resolução ou qualquer outra entidade do mesmo tipo. Funcionava como um qualquer outro imposto e a receita servia única e simplesmente para contribuir para a redução do défice. Foi isso que aconteceu em 2011 e em 2012, dois anos em que a receita com a contribuição sobre o sector bancário ascendeu no total aos 280 milhões de euros.

Foi só no decorrer do ano de 2014 que o Governo liderado por Pedro Passos Coelho transformou a contribuição sobre o sector bancário numa receita consignada ao Fundo de Resolução, que entretanto tinha sido criado em 2012 e contava igualmente com outras contribuições regulares de menor dimensão das instituições financeiras portuguesas.

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A razão para esta mudança foi óbvia. Os problemas a que se começaram a assistir na banca portuguesa mostravam que o Fundo de Resolução precisava de ver reforçadas as suas fontes de financiamento. Em 2014, foram transferidos para o Fundo de Resolução os valores da contribuição correspondentes aos anos de 2013 e 2014. E a partir daí, com um agravamento das taxas praticadas - no Orçamento de 2016 a taxa máxima foi aumentada de 0,085% sobre os passivos para 0,110% - foi sempre registada como receita do Fundo de Resolução, com os valores sempre a subirem até 2016, ano em que atingiu os 205 milhões de euros.

Como o Fundo de Resolução é classificado pelas autoridades estatísticas como fazendo parte das Administrações Públicas, os seus resultados líquidos anuais são incluídos no saldo do défice público, pelo que a receita que é obtida com a contribuição continua a ser uma ajuda para as contas públicas.

O que acontece agora, com o Fundo de Resolução a ter de amortizar o empréstimo concedido pelo Estado sem ter obtido receitas da venda do Novo Banco, é que a essa contribuição dos bancos irá passar a estar sempre, durante os próximos 30 anos, associada a uma despesa: a dos encargos da dívida do Fundo de Resolução.

Inicialmente, quando o Estado emprestou dinheiro ao Fundo de Resolução para este injectar no Novo Banco, a ideia do Governo da altura era a de que seria possível vender o Novo Banco por um valor semelhante ao apoio estatal e, assim, recuperar de uma vez só e ao fim de pouco tempo o empréstimo. Tal não aconteceu e o Fundo de Resolução ficou sem dinheiro no seu balanço para amortizar o empréstimo do Estado no prazo fixado. Uma hipótese seria exigir aos bancos, que são os responsáveis por garantir que o Fundo de Resolução cumpre os seus compromissos, que disponibilizassem a verba necessária para que o empréstimo ao Estado fosse logo amortizado.

No entanto, o actual Governo, preocupado em não agravar a débil situação financeira dos bancos portugueses, decidiu dar mais tempo para que o empréstimo fosse amortizado. Em Março, anunciou que o pagamento pode ser feito até 2046, o que permite aos bancos cumprir este encargo apenas através do pagamento da contribuição sobre o sector financeiro.

É por isso verdade que serão as contribuições anuais feitas pelos bancos que irão servir para que o Fundo de Resolução pague o empréstimo ao Estado, que acabará por receber o dinheiro de volta até 2046.

Mas ao analisar os custos para as finanças públicas é importante levar em conta que, caso não se tivessem registado perdas no Novo Banco, o que estaria a acontecer era que, mantendo-se o pagamento da contribuição sobre o sector bancário, os resultados do Fundo de Resolução seriam mais positivos, com o respectivo impacto nas contas públicas. Isto é, à mesma receita, não estaria associada uma despesa.

Além disso, ao permitir que os bancos demorem mais tempo a amortizar o empréstimo e aceitando igualmente que as taxas suportadas sejam mais baixas que as inicialmente previstas, o Estado está na prática a aceitar uma reestruturação, com perda do valor actual da dívida que tem a receber. Ou seja, o que o Estado está a fazer é a assumir uma perda, uma vez que o mesmo montante pago agora vale em teoria mais do que quando é pago 10, 20 ou 30 anos mais tarde. Além disso, uma vez que não tem poupanças disponíveis, o Estado, para poder emprestar este dinheiro ao Fundo de Resolução por este período de tempo, tem por sua vez de se endividar nos mercados, a taxas de juro elevadas.

De acordo com os cálculos realizados pelo economista Ricardo Cabral, assumindo como taxa de desconto os 4,85% que se aplica neste momento na emissão de dívida da República Portuguesa a 29 anos, mais um ponto percentual de spread, o valor total da dívida do Fundo de Resolução ao Estado fica, ao ser pago a 30 anos, com um valor presente que é 54% menor do que o empréstimo concedido. O professor da Universidade da Madeira estima que a dívida total de 4953 milhões de euros fique, neste cenário, com um valor presente de 2278 milhões de euros.

Assumindo como taxa de desconto apenas a taxa de juro da dívida a 29 anos, a redução do valor presente da dívida passa a ser de 44,7%.

Há ainda riscos na operação. Pela negativa, no acordo assinado com o fundo norte-americano Lone Star, está previsto que o Fundo de Resolução possa ser chamado a injectar mais dinheiro no Novo Banco (com recurso a um empréstimo do Estado), caso haja perdas em alguns activos e os rácios da instituição caiam para níveis considerados desadequados.

Pela positiva, existe a hipótese de o Novo Banco se valorizar e o Fundo de Resolução acabar por conseguir retirar algum rendimento dos 25% do capital que continua a deter na instituição.

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