Pobreza e pressão sobre a floresta amazónica explicam a tragédia de Mocoa
Deslizamentos de terras e inundações causaram mais de 250 mortos no sul da Colômbia. Presidente decretou estado de calamidade pública.
Uma mulher caminha desesperada no meio de árvores caídas, destroços de casas e muita lama. Leva consigo três fotografias, que vai mostrando a quem encontra. Maria Dilia procura as três filhas – uma de quatro anos, outra de 13 e uma de 22, que estava grávida – desaparecidas desde a madrugada de sábado, em Mocoa, na Colômbia. Tinha deixado a sua casa no bairro de San Miguel na sexta-feira à noite para ir tratar de uma quinta a alguns quilómetros. Agora, já só espera um milagre, como diz ao El Tiempo.
O bairro de Dilia foi um dos 17 de Mocoa, no Sul do país, arrasados pelos deslizamentos de terras causados por chuvas fortes e que mataram mais de 250 pessoas em poucas horas, na madrugada de sábado. Os habitantes dormiam quando viram de súbito a água a entrar nas suas casas. Mas Mocoa era uma cidade à espera do desastre.
O Presidente colombiano, Juan Manuel Santos, decretou o estado de calamidade pública e pôs em marcha um plano de emergência para apoiar a população afectada.
“Não há nem uma gota de água potável, precisamos de água, é urgente”, dizia a reitora do Instituto Tecnológico de Putumayo, Marisol González, citada pelo El Tiempo. “Há pontes destruídas, estamos sem comunicações, sem luz, sem gás, sem energia”, dizia o autarca de Mocoa, José Antonio Castro.
Entretanto, os feridos mais graves foram transportados para hospitais próximos. A grande prioridade é encontrar os desaparecidos. “Temos uma equipa de 400 especialistas à procura no terreno, com apoio de helicópteros e de botes para procurar nos rios”, disse ao El País o responsável da Unidade de Riscos, Carlos Iván Márquez. Foram ainda mobilizados 1120 elementos do exército e da polícia e às primeiras horas deste domingo foram enviados 12 aviões para transportar bens de primeira necessidade, água e medicamentos.
Parecia o mar
Os relatos dos sobreviventes e testemunhas mostram uma população apanhada totalmente de surpresa pela força da água, e dos troncos e das pedras que transportava consigo. “Foi como se o mar tivesse inundado o bairro”, contava alguém ao El Espectador. Não foi o mar, mas sim três rios e vários afluentes que confluem em Mocoa.
Durante três horas choveu sem parar – o equivalente a um terço do volume médio de um mês. Abril é, por norma, um mês chuvoso na região amazónica, mas a precipitação de sábado foi das mais elevadas em várias décadas e foi suficiente para fazer subir o caudal dos três rios mais próximos.
A erosão das montanhas que rodeiam Mocoa também contribuiu, embora de forma indirecta, para o desastre. “Há problemas associados à sedimentação, ou seja, os rios tendem a ter mais resíduos provenientes da erosão das montanhas”, explicou Christian Euscátegui, do Instituto de Hidrologia, Meteorologia e Estudos Ambientais (IDEAM).
A receita para o desastre fica completa com uma calamidade que afecta todo o país – a desflorestação. A ausência de árvores torna as inundações frequentes, ao não travar a progressão das águas. “Durante o La Niña 2010-2011 [fenómeno climático com efeitos em todo o planeta], o mais forte que o país já viveu, 71% das inundações deram-se em zonas de campos que tinham perdido as suas árvores”, diz Euscátegui.
A selva amazónica na Colômbia sofre de um problema grave de abate ilegal de árvores, que, segundo dados da polícia, todos os anos resulta numa perda de 48 mil hectares de floresta. Um relatório do IDEAM do ano passado apontava a província de Putumayo, onde se localiza Mocoa, como uma das mais afectadas pela desflorestação.
À pressão ambiental, junta-se ainda a construção em locais perigosos. Os bairros mais afectados pelas cheias são também os mais pobres da cidade, onde se constroem casas sem qualquer estudo das condições do terreno.
Houve mesmo quem tivesse previsto a tragédia. "Há nove meses fizemos um estudo com o Serviço Geológico Colombiano onde alertávamos que isto poderia acontecer, por causa do uso inadequado dos solos, que agrava este tipo de incidentes. Também indicámos vários municípios amazónicos, incluindo Mocoa, que não tinham actualizado o Plano de Ordenamento Territorial", disse ao El Espectador Luis Alexander Mejía, director da Sociedade para o Desenvolvimento Sustentável do Sul da Amazónia.