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Um banco para ti, um fundo para mim e Centeno sorri

Entregar os bifes do lombo ao fundo americano enquanto o Estado fica a rilhar ossos é o resumo do acordo.

Havia o bad bank e havia o good bank. O bad bank chamava-se BES e o good bank chamava-se Novo Banco. Entretanto, descobriu-se que o good bank também tinha um bad bank dentro de si, razão pela qual foi necessário formar um side bank, que é mais um ex-good bank que permitirá ao Novo Banco ser um very good bank e vir um dia a render uns bons milhares de milhões de euros a um fundo americano chamado Lone Star. Porque é que o good bank não ficou logo um very good bank no início do processo de resolução e porque é que os créditos de risco do side bank não foram na altura totalmente integrados no bad bank? Não me perguntem. Em primeiro lugar, porque não se sabe. Em segundo lugar, porque quando se tenta saber detalhes sobre empréstimos manhosos e empresários caloteiros atiram-nos logo à cara com o sigilo bancário, essa maravilhosa figura legal que serve para proteger a existência de um clube dos grandes – os que conhecem os negócios e controlam a informação – e um clube dos pequenos – aqueles que se limitam a passar o cheque às escuras, também conhecidos como contribuintes.

Em quanto é que já vai, afinal, a conta do sistema financeiro português? Há um ano dizia-se que entre BPN, BPP, BES e Banif já estava perto dos 20 mil milhões, entre dinheiro efectivo e garantias prestadas pelo Estado. Agora, some-se a isso a recapitalização da Caixa, mais estes 3,8 mil milhões de garantias para o side bank do Novo Banco – se não chegarmos a 30 mil milhões de euros será uma sorte. O acordo que o governo acaba de assinar para a venda do Novo Banco resume-se a isto: entregar os bifes do lombo ao fundo americano enquanto o Estado fica a rilhar ossos. Aliás, falar em “venda” é, por si só, distorcer a realidade, tal como o é afirmar que o Lone Star “pagou” mil milhões de euros pelo banco. O fundo americano não pagou coisa alguma, porque o vendedor recebeu zero – o Estado limitou-se a entregar o Novo Banco ao Lone Star mediante determinadas condições, entre as quais uma injecção de capital dos novos donos no valor de mil milhões de euros. Se o senhor Manel me oferecer um edifício devoluto na condição de eu investir 100 mil euros no edifício que passou a ser meu, ninguém vai com certeza dizer que paguei cem mil euros ao senhor Manel.

Ainda assim, se quisermos guardar a demagogia no bolso, temos de admitir que não é fácil neste momento saber se o governo tinha melhor solução do que aquela que ontem apresentou. O Estado estava numa posição fraca e terá certamente obtido um acordo fraco, mas essa fraqueza era mais ou menos inevitável. Há alguns meses, Mário Centeno dizia não “perspectivar neste negócio” a necessidade de recorrer a garantias do Estado – mas a verdade é que lá acabou por perspectivar, ainda que arranjando, à boa maneira socialista, uma narrativa que lhe permite fingir que não incumpriu com a palavra. Mas incumpriu. Ontem, António Costa vendeu muito bem o seu peixe, como é hábito, celebrando a não liquidação do banco e a salvaguarda do sistema financeiro. Contudo, a garantia de que não haverá impacto nas contas públicas, nem novos encargos para os contribuintes, é mero wishful thinking – sobretudo quando assistimos à irresistível tendência dos buracos dos bancos portugueses evoluírem para crateras. O governo transformou o fundo da resolução numa PPP para o sector bancário: não paga agora; quase de certeza pagará depois. Talvez num próximo governo de direita.

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