A escultora Camille Claudel tem finalmente um museu para ela
Musa e amante de Rodin, Camille Claudel teve de esperar décadas para que a vissem como uma mulher talentosa. Agora tem um museu para lembrar que essa relação apaixonada e tumultuosa que teve um fim trágico está naquilo que ambos deixaram.
Este texto provavelmente chamaria mais leitores se o seu título, no lugar de “a escultora Camille Claudel”, tivesse escrito “a amante de Rodin”. Mas isso seria perpetuar uma história que esconde uma injustiça que durante décadas e décadas a condenou ao esquecimento. Claudel foi, efectivamente, uma artista por mérito próprio, além de musa e, defendem muitos, o grande amor do francês Auguste Rodin, a quem as biografias curtas, por regra dadas a rótulos, se referem com frequência como “o pai da escultura moderna”.
E se Rodin (1840-1917), cujo centenário da morte está a ser assinalado numa grande exposição parisiense, no Grand Palais, ficou para a história, e por direito, como um dos mais populares escultores de sempre, Claudel está ainda longe de ter o reconhecimento que merece. No dia 26, no entanto, deu-se mais um passo para solidificar a presença da artista entre os seus pares com a inauguração de um museu com o seu nome na casa de família em Nogent-sur-Seine, a pouco mais de 100 km de Paris, onde está exposta a maioria das peças que ela não destruiu quando a sua relação apaixonada e tumultuosa com o escultor terminou.
O novo museu, escreve o Art Newspaper, publicação especializada em notícias do mundo da arte, começou a ser preparado em 2008, quando a cidade decidiu comprar a casa e a colecção que estavam nas mãos de uma sobrinha-neta da artista, Reine-Marie Paris. No centro do acervo, que também incluirá, numa galeria que será inaugurada em breve, obras do seu mestre, Alfred Boucher, e de outro escultor, Paul Dubois, estão 43 esculturas, desenhos e moldes de gesso da autoria da arrebatadora e atormentada Camille Claudel. Reuni-las, garante a directora do novo museu, Cécile Bertrand, exigiu um trabalho verdadeiramente detectivesco.
Este núcleo duro começa com a primeira obra que a escultora expôs no salão dos artistas franceses, La Vieille Hélène (1882), e termina com os últimos bronzes, de 1905, ano em que surgem os primeiros sinais das perturbações mentais que viriam a acompanhá-la até à morte, em 1943, aos 78 anos. Pelo meio encontram-se as peças fulgurantes da sua década mais produtiva, a que vai de 1889 a 1898, e a única escultura monumental em mármore que executou, Persée et la Gorgone (1902), que a cidade de Nogent-sur-Seine comprou há dez anos por quase um milhão de euros.
Mostrando o seu trabalho ao lado do de outros escultores seus contemporâneos – há 150 obras de outros artistas em exposição – o museu coloca em contexto o seu “talento original e excepcional”, diz Cécile Bertrand, garantindo que a narrativa oferecida aos visitantes mostrará ainda as diferenças e semelhanças entre o trabalho de Claudel e de Rodin, “revelando até que ponto eles se inspiraram um no outro”. Uma narrativa que, apesar de tudo, não esconde a forte influência que ele tem na forma como ela aborda a escultura, na sua técnica.
História trágica
Nascida em 1864, Camille Claudel pertencia a uma família conservadora que, na sua infância e juventude, mudou várias vezes de casa. Chegou a Nogent-sur-Seine, onde viveria apenas quatro anos, em 1876, e foi aí que começou a interessar-se pela escultura. Tinha apenas 12 anos. O pai, Louis Prosper, decidiu, então, mostrar o seu trabalho a um vizinho, o artista Alfred Boucher, para que ele avaliasse se a filha tinha talento. Boucher aconselhou-a a estudar em Paris, tornou-se seu mestre e acabou por apresentá-la a Rodin, selando um encontro decisivo para ambos.
Claudel, 24 anos mais nova, viria a ser a assistente de estúdio de Auguste Rodin, transformada rapidamente em sua musa e sua amante. O escultor reconhecia-lhe o talento e respeitava-a.
“A sua história é trágica, mas é difícil para nós julgá-la agora”, diz a directora do Museu Camille Claudel (projecto a cargo do atelier Adelfo Scaranello), referindo-se à doença da artista, ao facto de, antes do internamento, se ter fechado no seu estúdio de Paris, vivendo com medo que os colaboradores de Rodin o invadissem para lhe roubar as peças e as ideias.
Dizem alguns dos que têm estudado a vida de um e de outro que a artista queria que o escultor deixasse a sua mulher para se casar com ela, algo que Rodin nunca fez.
Afastada do escultor, que a ajudava financeiramente, e sem vender qualquer obra porque o meio da época não estava disposto a acolher o trabalho de uma mulher de condições humildes que além de não ser casada era amante de Rodin, Claudel viveu os seus últimos anos de liberdade na pobreza.
Apesar de por diversas vezes os seus médicos terem sugerido que poderia regressar ao convívio familiar, a artista passaria depois 30 anos confinada a um hospital psiquiátrico perto de Avignon, onde acabou por morrer, sendo enterrada numa campa comum. Contam-se pelos dedos de uma mão os que a visitaram nessas décadas em que a doença a afastou do mundo. O irmão, o poeta e diplomata Paul Claudel, protagonista de vários dos retratos expostos no museu, visitou-a apenas 12 vezes em 30 anos, escreve o diário The Guardian, ainda que ambos tivessem uma relação muito próxima. A mãe, que a internou em 1913, pouco depois de o seu pai morrer, nunca a foi ver.
O abandono
Amplamente esquecida como artista até à década de 1970, Claudel viu a sua presença sempre reconhecida na obra de Auguste Rodin, que a retrata várias vezes na sua escultura. Dizem os historiadores de arte que o seu trabalho, no entanto, é revelador de conhecimentos profundos de anatomia e do seu talento para a modelação, sendo particularmente elegante e original quando, na viragem para o século XX, se deixa influenciar pela Arte Nova.
Entre os seus trabalhos mais famosos estão Sakountala (1888), La Valse (1892), Clotho (1893), La Vague (1902) e L’Âge Mûr (1893-1900), esta última representando o abandono de Rodin. Nela se vê uma jovem mulher nua, ajoelhada, suplicando a um homem que se afasta (Rodin), acompanhado por uma figura feminina visivelmente envelhecida (Rose Beuret, casada com o escultor), que não a deixe.
Rodin morreu em 1917 e, segundo a biografia disponível no site do seu museu em Paris, nunca esqueceu Claudel. Quatro anos antes de morrer ainda lhe mandava dinheiro através de um amigo comum, Mathias Morhardt, de quem aceitou a sugestão de vir a exigir uma sala para expor as obras da antiga amante no museu que o Estado francês lhe prometera. Uma exigência que só foi cumprida em 1952, quando Paul Claudel doou ao museu quatro esculturas da irmã, incluindo as duas versões de L’Âge Mûr. O que Claudel pensava dele quando morreu provavelmente nunca se saberá.