Depois do "Brexit", o futuro de Gibraltar poderá ficar nas mãos de Espanha

Documento enviado por Donald Tusk aos 27 Estados-membros com as linhas de orientação para a negociação do "Brexit" diz que nenhum acordo será alcançado sobre Gibraltar sem o consentimento de Madrid.

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Fronteira entre Espanha e Gibraltar Reuters/JON NAZCA

“Depois de o Reino Unido deixar a União, nenhum acordo entre a UE e o Reino Unido pode aplicar-se ao território de Gibraltar sem o acordo entre o Reino de Espanha e o Reino Unido”. Esta é a frase presente na proposta que o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, enviou nesta sexta-feira aos restantes 27 Estados-membros para as linhas de orientação da UE nas negociações do “Brexit” e que está já a gerar discórdia entre Madrid e Londres.

Apesar de esta declaração não revelar nem desenvolver muito do que se pretende alcançar em relação a esta matéria, a União Europeia parece colocar-se do lado espanhol relativamente à disputa da soberania de Gibraltar que remonta há séculos. Desde o início que Londres nunca quis estabelecer acordos bilaterais com Madrid sobre a questão da península. No entanto, o documento de Tusk parece reconhecer a existência de duas partes no que ao controlo dos destinos de Gibraltar diz respeito, oferecendo assim a margem de manobra para negociar que Espanha procurava. O “Brexit” poderá ser assim a oportunidade para o Governo espanhol fazer valer a sua posição.

Na prática, e segundo as leituras que se têm realizado nas últimas horas sobre esta questão na imprensa britânica e espanhola, a União Europeia dá poder de veto a Espanha sobre qualquer acordo alcançado com o Reino Unido sobre Gibraltar no contexto do “Brexit”. O Times diz que esta é uma vitória diplomática de Madrid sobre um território que foi cedido aos britânicos em 1713, acrescentando que, por exemplo, o regime fiscal da península está em risco perante o poder de veto concedido pelas instituições europeias. Nomeadamente, as taxas de 10% a empresas a actuar em Gibraltar e que Espanha acusa de serem um auxílio estatal desleal e que viola as leis europeias.

Sobre este cenário, Michael Llamas, director jurídico do Governo de Gibraltar, diz ao Times que “em termos práticos, isto significa que a Espanha pode bloquear o acesso de Gibraltar a qualquer acordo comercial que o Reino Unido possa negociar com a UE”.  

No âmbito do referendo sobre o “Brexit”, 96% dos cerca de 30 mil habitantes votaram pela permanência do pequeno território localizado no sul da Península Ibérica na União Europeia. Mas em dois referendos, em 1967 e 2002, a população votou largamente para se manter como parte do Reino Unido, rejeitando ligações em termos de soberania com Espanha.

Ao Guardian, o ministro-chefe de Gibraltar, Fabian Picardo, critica a posição da União Europeia: “Esta proposta desnecessária, injustificada e inaceitavelmente discriminatória especificando Gibraltar e o seu povo é a maquinação previsível de Espanha que o povo de Gibraltar previu e uma das razões pelas quais nós votámos tão massivamente para continuar na UE”. “Esta é uma vergonhosa tentativa por parte de Espanha para manipular o Conselho Europeu para os seus próprios e estreitos interesses políticos. O ‘Brexit’ é já complicado que chegue sem a Espanha a tentar complicá-lo mais”, conclui Picardo.

Do lado espanhol, o El País cita Esteban González Pons, vice-presidente do Partido Popular Europeu, que afirmou que o facto de a primeira-ministra Theresa May não ter referido a situação de Gibraltar na sua carta dirigida ao Conselho Europeu é “muito relevante”, acrescentando que esta omissão significa que “Gibraltar não faz parte do Reino Unido; é uma colónia como a ilha de Santa Helena”. Outras fontes próximas do Governo de Madrid explicaram também ao diário espanhol que “esta ausência é um bom sinal porque anunciam boas notícias – que Gibraltar é uma questão a ser negociada bilateralmente no futuro, apenas entre Espanha e o Reino Unido”.

Apesar de ainda não ter existido uma posição oficial de Downing Street, fontes do Governo britânico remeteram o Guardian para as declarações que May fez no Parlamento na última quarta-feira, quando a governante garantiu que se mantém “absolutamente firme” no “apoio a Gibraltar, ao seu povo e economia”. “Nós temos sido firmes no nosso compromisso de nunca entrar num acordo sob o qual o povo de Gibraltar passaria a ser soberania de outro Estado contra a sua vontade, nem entrar num processo de negociação de soberania no qual Gibraltar não está satisfeito”, concluiu a primeira-ministra britânica.

“Manteremos uma resistência implacável, marmórea e sólida como uma pedra” a qualquer alteração no estatuto de Gibraltar, afirmou o ministro dos Negócios Estrangeiros, Boris Johnson. Mas o “Brexit” criou fendas na posição neutra assumida até agora por Bruxelas, assumiu um responsável europeu ao Guardian. “A União defende os seus membros e agora isso significa Espanha”.

Pouca coisa se poderá concluir da posição manifestada no documento enviado por Donald Tusk aos 27 Estados-membros esta sexta-feira. O Reino Unido pode ou não aceitar esta alínea nas negociações sobre o “Brexit”, revestindo de ainda maior complexidade um potencial acordo comercial. No entanto, as posições de Madrid e Londres dão seguimento ao defendido ao longo de décadas sobre a questão de Gibraltar, aparentando existir pouco ou nenhum ponto de entendimento. Do futuro de Gibraltar pouco se sabe, e neste desconhecimento se manterá. 

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