Líder da OMC traz ao Conselho de Estado ideias sobre como lidar com Trump e o "Brexit"
Brasileiro Roberto Azevedo é o convidado de Marcelo Rebelo de Sousa para a reunião sobre a evolução do comércio internacional no futuro próximo.
Marcelo Rebelo de Sousa, António Costa e Roberto Azevedo têm uma ideia comum sobre “a evolução do comércio internacional no futuro próximo e as implicações para Portugal”, tema da reunião do Conselho de Estado que se realiza esta sexta-feira. Os três são grandes defensores do multilateralismo nas relações internacionais e defendê-lo hoje tem uma importância acrescida, num momento em que a União Europeia negoceia o "Brexit" com o Reino Unido e o presidente norte-americano ameaça denunciar acordos de livre comércio com diferentes blocos mundiais.
Foi neste contexto de ameaças de proteccionismos que o Presidente da República convidou o director-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC) para a quinta reunião do Conselho de Estado, a que imprimiu um ritmo trimestral. Antes, Marcelo reúne-se a sós com o brasileiro Roberto Azevedo, recentemente eleito para um segundo mandato à frente da OMC.
Portugal apoiou a sua reeleição precisamente devido às suas posições em defesa do multilateralismo. Na apresentação da sua recandidatura, Roberto Azevedo alertou para os riscos do proteccionismo. “Parece-me, nestes tempos desafiadores, que o valor das regras globais mutuamente acordadas é evidente, assim como a capacidade de resolver os problemas económicos entre as nações segundo essas regras”. E lembrava que a OMC foi construída “em resposta directa a lições sangrentas da história” cujos erros era “preciso não repetir”.
Logo após ser reeleito, o líder da OMC dizia, em entrevista à brasileira Agência Estado, que “o unilateralismo é desastroso para todos” e dava pistas sobre a sua acção para o novo mandato: “Além de ser um foro negociador, a OMC oferece aos membros um amplo leque de ferramentas para lidar com as preocupações e atritos comerciais. Até mesmo a reforma de acordos faz parte do jogo. O risco de acções unilaterais, fora do marco acordado na OMC, é que preocupa. O unilateralismo tende a provocar reacção em cadeia, em efeito dominó desastroso para todos”.
Questionado sobre o "Brexit" e o proteccionismo de Donald Trump pelo jornal suíço Les Temps no início deste mês, Roberto Azevedo considerou que ambos tinham em comum “uma forma de rejeição ao establishment, uma certa desconfiança em relação à globalização ou ao comércio”, mas que não eram comparáveis.
"O 'Brexit' responde a um desejo de soberania e de autonomia regulamentar ante, em particular, uma migração percebida como prejudicial. Esta decisão não deriva, por exemplo, de uma vontade de limitar as importações", disse. Mas sobre os EUA considerou a situação “mais delicada”.
Dias antes da entrevista ao Le Temps, a administração Trump publicara um documento oficial em que se afirmava que "os americanos não estão directamente submetidos às decisões da OMC", apesar de serem membros da organização. E acrescentava que os EUA iriam privilegiar os acordos bilaterais face aos grandes tratados regionais, que lhes seriam menos favoráveis. Mas Azevedo não levou estas palavras à letra: "O mais importante não é o que foi dito ou escrito por Washington sobre este tema e sim o que realizará ou poderá potencialmente realizar".
Ainda que com diferenças, o "Brexit" tem preocupado Roberto Azevedo, sobretudo pela incógnita sobre a forma que virá a ter: um “hard 'Brexit'”, em que o Reino Unido perde o acesso ao mercado único europeu e volta a estar sob as regras da OMC na sua relação com os países europeus, ou um “soft 'Brexit'”, em que mantém alguma forma de acesso a esse mercado. Seja como for, Azevedo considera que as negociações com a UE vão ser “duras” e “muito complexas”.
São avisos como estes, mas provavelmente mais concretos, que o líder da OMC traz ao Conselho de Estado, em que é o segundo convidado estrangeiro a participar. O primeiro foi o governador do Banco Central Europeu, Mario Draghi, em Abril do ano passado. Nesta reunião estarão ausentes os presidentes dos governos regionais dos Açores e da Madeira, Vasco Cordeiro e Miguel Albuquerque, devido à participação no 4.º Fórum das Regiões Ultraperiféricas.