"Agências de rating usam critérios bastante discricionários"
Mário Centeno garante que Portugal merece melhor rating e juros mais baixos. Em entrevista ao PÚBLICO e à Renascença, diz que a nova política do BCE vai prejudicar mais outros países do que Portugal.
Portugal está a fazer o que deve — e merece uma reavaliação do rating depois de sair do procedimento de défices excessivos e de resolver o Novo Banco. E até já merecia: "Há aqui um conservadorismo muito, muito forte destas agências de rating", diz Mário Centeno.
O défice de 2016 foi cumprido, mas teve medidas que terão efeitos futuros e sem grande sustentabilidade, como o perdão fiscal e a reavaliação de activos. Faz sentido que tenham aderido ao perdão fiscal, que era para empresas em dificuldade, as empresas com maiores lucros do país como a EDP, que ganharam milhões com isso?
O perímetro das administrações públicas está sempre a variar. Fomos confrontados, três dias antes do anúncio do valor do défice para 2016, com uma alteração de regras do Eurostat, que retirou receita no valor de 230 milhões de euros (de fundos comunitários geridos pelo IAPMEI e AdC), levando a que o défice passasse de 1,9% para 2,06%. Quanto aos dois programas que referiu, foram dirigidos a todas as empresas portuguesas, porque o emprego é criado por todas — e o investimento também. As receitas que resultaram do programa Peres significam que 90 mil empresas e famílias puderam ver a sua situação fiscal regularizada. E com isso podem aceder mais facilmente a crédito, podem aceder a programas de apoio ao investimento.
Faz sentido que também aquelas quatro ou cinco que não precisam, porque têm muitos lucros...
Nem seria legalmente possível excluí-las, nem economicamente desejável. As receitas que resultaram desse programa foram já utilizadas para diminuir a dívida pública, amortizando a dívida ao FMI. Ao contrário do que muitos disseram, não foram essas receitas que levaram a que Portugal cumprisse as metas, elas foram cumpridas muito para além dessas medidas. Na verdade, comparável com 2015, o défice em contabilidade nacional foi de 1,9% do PIB — e não de 2,06%.
Diz que não houve “habilidades”, mas no caso da reavaliação de activos estamos a falar de as empresas acabarem por ganhar bastante nos impostos que deveriam pagar no futuro. Penalizando défices futuros.
Nada do programa é um procedimento ad hoc. É uma reavaliação feita com auditorias, com um rigor que está subjacente às contas das empresas, e que permitiu às empresas que estavam com os seus activos desajustados ao seu valor real reavaliar os activos, ganhar uma nova capacidade financeira.. É muito importante entender que muitas empresas sofreram um processo muito longo de perda de valor. É bem verdade que há uma dimensão não financeira, como diz, mas que é natural nestes programas. Nada disto foi desenhado de origem em Portugal.
Mas se há essa sustentabilidade orçamental, como é que explica que, no dia em que é anunciado um défice de 2,1%, o valor da taxa de juro a dez anos nos mercados secundários tenha atingido os 4,2% (sendo esse um indicador da confiança dos mercados)?
Os juros caíram nesse dia, caíram nesta segunda-feira, estão a cair já há algum tempo. Porém, mais importante, o diferencial de juros com Itália está a estreitar-se. Portugal tem tido um desempenho muito favorável nos seus indicadores económicos e orçamentais, o Governo está a trabalhar para que tudo isto se transmita também aos mercados da dívida. Os mercados da dívida contagiam-se (ou são influenciados) por movimentos que não têm nada que ver com o nosso país. Estamos a fazer tudo o que é possível, e a ter indicadores que suplantam todas as expectativas, no sentido de o país ter um desempenho que seja, também nesses mercados, compatível com as nossas expectativas.
Dá por garantido que Portugal saia do procedimento de défices excessivos em Abril?
Portugal cumpriu todos os objectivos orçamentais que estabeleceu pela primeira vez nos últimos anos. Foi a primeira vez que o défice ficou abaixo daquilo que era projectado no orçamento. Isso foi conseguido com a economia a começar o ano em crescimento baixo, numa situação não muito favorável. Continuando agora o crescimento em trajectória de aceleração, tendo todos os saldos orçamentais projectados abaixo de 2%, não vejo como é que essa decisão não possa ser tomada. Mas já se percebeu que não se pode dar nada por garantido.
O BCE já anunciou a retirada progressiva da política de estímulos. Acha que, com as taxas de juros com que estamos, Portugal consegue aguentar essa política do BCE?
Primeiro, se a retirada de estímulos acontecer num contexto em que a economia está a acelerar — e a crescer de forma sustentada —, compreenderemos essa decisão. Segundo, a política de estímulo que o BCE tem face à compra de dívida pública está em redução em Portugal há praticamente um ano...
Mas ainda é valiosa...
Desde Abril de 2016 que reduziu para menos de metade, noutros países não aconteceu isso. A preocupação que o Governo tem é colocar o país, no plano orçamental e no da dívida, numa trajectória sustentável, para que no médio prazo Portugal possa ter indicadores mais positivos. Há países na Europa em que esse apoio ainda não se atenuou e esses países estarão a prazo mais afectados pela mudança de política do BCE do que Portugal. A situação tem vindo a ser acompanhada pelo Governo, decorre da política monetária para a área do euro, mas há países que têm situação mais frágil do que Portugal — por razões que se prendem com o facto de a redução já estar a acontecer em Portugal.
Neste momento, Portugal só tem o apoio de uma agência de rating, nenhuma das outras duas principais se mostrou convencida para rever a classificação do país em alta. Como é que vai dar a volta a esta desconfiança?
Não há desconfiança. Não é só com Portugal, mas com a generalidade das economias europeias, que as agências têm tido uma atitude de grande resistência na reavaliação da situação de rating de cada economia. Em Portugal, mais recentemente, quando essas agências avaliam os fundamentos económicos, as chamadas "questões estruturais", classificam o país numa situação de investimento (ou seja, acima de "lixo"). Depois, essas mesmas agências desvalorizam esse rating por critérios que são bastante discricionários. Algumas delas vão além daquela que é a metodologia aplicada (e isto já vinha de trás), desvalorizando essa classificação, ao ponto de colocar Portugal na situação que descreveu. É evidente que há aqui um conservadorismo muito, muito forte destas agências. Em qualquer dos casos, os sinais que temos tido de todas elas, inclusive a última (a S&P), são muito positivos perante a preocupação que colocam, que é o sistema financeiro. Há uma frase num desses relatórios em que é dito que os riscos do sistema bancário estão em retrocesso. É essa a direcção que temos de imprimir à nossa economia, e também ao sistema financeiro...
Falou em critérios discricionários. É preconceito?
Não, não. Não digo preconceito. É um hiperconservadorismo de quem se enganou muito no passado. Porque as agências de rating não deram pela chegada da crise em 2007-2008. Esta sobre-reacção que se nota neste momento nas agências de rating poderá ter as suas razões fundadas, no seu funcionamento interno, mas eu enquanto governante defendo que deveria haver uma mudança.
Depois da venda do Novo Banco, da recapitalização da CGD e da saída do procedimento de défices excessivos, tem a expectativa de que o rating suba?
Esses são os movimentos mais recentes, CGD e Novo Banco, mas se olharmos para os últimos 16 meses vemos um longo trajecto de estabilização do sistema financeiro, com todos os problemas que existiam a serem solucionados... Recordo que três quartos dos activos no sistema bancário português, em Dezembro de 2015, estavam em bancos ou com problemas sérios de capitalização, ou de estrutura accionista, e, neste período, foram todos ultrapassados: Banif, BCP, BPI, Novo Banco e Caixa.
Registo que não me responde se tem a expectativa de uma subida.
Estava a responder porque é a expectativa pode ser fundada, e a expectativa existe. Sim, esse é o desejo que temos. Tudo isto são sucessos que devem merecer a atenção de todos.