Mais uma loja histórica com fim à vista? A Antiga Casa Faz Frio lá escapou

Primeiro o medo: A Antiga Casa Faz Frio, na rua D. Pedro V, é mais uma vítima da Lei das Rendas e da turistificação da cidade. Podia ser, mas a promessa é que não será. O restaurante mudou de mãos mas o novo dono garante que a história vai ali permanecer intacta.

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O restaurante fica no número 96 da D. Pedro V Nuno Ferreira Santos

O alarme soou estridente: mais uma casa histórica de Lisboa está com os dias contados. A Antiga Casa Faz Frio, um restaurante perto do Príncipe Real, que já contornou o centenário há uns valentes anos, fecha no fim do ano, anunciou-se. Fez-se a petição, onde se lia que a previsão é que o interior seja totalmente destruído, mil assinaram e o assunto caiu nas redes sociais como fogo na palha. Só que não é essa a intenção do novo proprietário, que não só quer manter o restaurante como melhorá-lo sem o descaracterizar. 

É uma causa que galvaniza. A sua idade não é certa – fala-se em 120, outros em 150 anos. A única referência certa é o alvará de 1928 mas a sua origem remonta provavelmente à década de 60 do século XIX, garante Mário Gouveia, um dos sócios do Faz Frio. Nasceu como casa de pasto, provavelmente teria também uma estalagem.  

Além do pavimento em pedra, dos velhos azulejos, destacam-se três pequenos compartimentos em madeira, que subdividem o restaurante. Nas paredes destas divisórias estão 28 pregões de Lisboa, evocando as figuras populares do comércio da cidade.

São estes elementos que muitos receiam ver completamente destruídos para que ali nasça algo “gourmet” ou “modernaço”. “Mentira”, assegura Jorge Godinho, que comprou a sociedade aos ainda donos do restaurante, que ali permanecerão até final do ano.

“Vamos manter o restaurante, fazendo algo o mais aproximadamente possível ao que está mas dando outras condições pois como está ninguém lá vai”, diz Godinho. “Vamos fazer o que hoje se faz mas em bom”, assegura. Quanto aos elementos históricos são para manter, dignificando-os.

O projecto de alterações não está concluído mas há modificações inevitáveis: “O balcão é em inox, horrível, as casas de banho são minúsculas, só lá cabem mini-pessoas, o cheiro da cozinha mete-se todo nos andares de cima. Isto tudo é para mudar, preservando o que tem de bom – os azulejos, o chão, os quadros ou os pilares”, exemplifica. “Quero dignificar, melhorar, dar mais salubridade a um espaço que o merece”, reforça.

Nunca questionado sobre as suas intenções, Jorge Godinho viu-se numa máquina trituradora de críticas e acusações. “Não sou contra a petição, sou contra as mentiras que lá estão”, sublinha.

O problema é que a petição parte logo do princípio que é tudo para destruir. Algo de que Mário Gouveia se mostrou também inicialmente convencido - "Vão partir isto tudo", chegou a dizer ao PÚBLICO. Um receio em que não era acompanhado pelo outro sócio – maioritário, com 70% – que critica o rebuliço criado por quem nunca teve os dados todos na mão.

Filho de um cozinheiro da Marinha que chegou ao Faz Frio há 46 anos e que se juntou a outros comandantes que ali davam palco aos petiscos ligados ao mar, Manuel Sequeira assegura que a transição foi tranquila e mostra-se descansado quanto ao futuro do restaurante.

“O prédio foi comprado há dois anos e o senhorio tinha os seus planos para o restaurante. Ainda contactámos as Lojas com História mas eles não têm capacidade para inverter nada. A lei das rendas é como é e, apesar de ainda termos contrato por alguns anos, decidimos chegar a acordo e estamos satisfeitos”, garante.

A sociedade actual nasce em 1970 com seis sócios. O pai de Manuel Sequeira foi comprando quotas ao longo do tempo e o filho também. Recentemente, Mário Gouveia, empregado do restaurante, juntou-se à sociedade, ficando com 30%.

A proximidade ao Parlamento deu-lhe a fama de abrigar tertúlias e conspirações – os compartimentos em madeira ajudaram a criar esta aura de clandestinidade. Segundo Mário Gouveia, o seu nome virá do facto de ter uma porta para as traseiras que estava sempre aberta para fugas intempestivas, o que gerava grandes correntes de ar. Os conspiradores, assegura, “diziam que iam ao restaurante onde faz frio, e assim ficou o nome”.

Se assim é ou não, não interessa. O certo é que é parte da memória de uma cidade e a sua defesa mobilizou centenas. Jorge Godinho não os leva a mal e percebe as boas intenções. Mas tenta sossegar os receios, deixando um apelo: Vão lá, contribuam para que a casa não acabe ameaçada por falta de rentabilidade.

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