As más vibrações do Recife
É pela “presença” de Sonia Braga, e o modo como cria se cria um prolongamento e se “faz corpo” entre a personagem e o espaço, que Aquarius revela a inteligência da sua construção.
Grande personagem, embora talvez demasiado “exemplar” no seu idealismo de role model (damos por nós a pedir-lhe que faça alguma que não seja “bem”, que mostre uma falhazinha de carácter), mas sobretudo uma grande presença — a de Sónia Braga.
E é pela “presença” dela, e o modo como cria se cria um prolongamento e se “faz corpo” entre a personagem e o espaço (o apartamento, o edifício, a faixa de terreno entre a casa e a praia), que Aquarius revela a inteligência da sua construção, funcionando como se fizesse desse par (a personagem e a sua casa) um “receptor” de ondas e de (más) vibrações que, intuímos, contam em estilhaços a história recente de uma cidade (Recife), de uma região (Pernambuco), de um país (o Brasil).
O que corta um pouco o entusiasmo é a sensação de que a inteligência da construção do filme resolve menos bem o seu calculismo inerente: é como se um houvesse um delay entre as acções e as ideias que as acções devem sugerir, e o filme estivesse sempre a dar ao espectador o “desenho” do seu lugar (e do seu pensamento) naquele tempo e naquele terreno. Pode ser uma reacção ao “naturalismo” da telenovela, claro, mas quando sentimos que tudo acontece em simultâneo, de modo directo e imediatamente, isso dá, naturalmente, as melhores cenas: uma dança solitária com um disco de Roberto Carlos, ou uma saída em grupo de mulheres viúvas ou divorciadas que têm no olhar o brilho de uma excitação adolescente.