Bancos perdoam à Cimpor violação dos limites de endividamento
A cimenteira conseguiu negociar a suspensão, em 2017, dos mecanismos que visam travar o seu desequilíbrio financeiro. A solução da administração é um aumento de capital até dois mil milhões de euros
Ainda antes de fazer o fecho das contas de 2016, a administração da Cimpor conseguiu chegar a acordo com os credores para que não fosse realizado o teste de medição do nível de alavancagem financeira da InterCement Participações, S.A - a holding que detém praticamente a totalidade do capital da cimenteira (94,2%) após a OPA realizada em 2012. Se esse acordo não tivesse sido concretizado, a Cimpor entraria em incumprimento das condições estabelecidas nos contratos de financiamento, e teria de enfrentar "a exigibilidade imediata do conjunto de financiamentos contratados".
De acordo com os documentos oficiais da empresa, a 31 de Dezembro de 2016 os financiamentos contraídos pela Cimpor junto de entidades externas (quer sob a forma de empréstimos comerciais, quer sob a forma de empréstimos de obrigações) atingiam os 3.468 milhões de euros.
Os contratos de financiamento estipulam um rácio entre o endividamento e os resultados antes de impostos, juros, amortizações e depreciações (EBITDA) - de 4,5 vezes - e foi por saber que não conseguiria cumpri-lo (porque o supera) que a administração da empresa tratou de negociar a sua suspensão. Os alertas soaram quando a Cimpor começou a registar imparidades no mercado brasileiro, aquele que se tornou o seu mercado de referência a partir de 2012, depois de uma permuta de activos com uma parceira brasileira. A 31 de Dezembro de 2016, os testes de imparidades na área de negócio do Brasil levaram ao registo de 650 milhões de euros (2.235.929 milhares de reais), o que agravou amplamente os resultados negativos da empresa. De acordo com a apresentação de resultados do grupo, todos os mercados registaram quebras no volume de negócios. Mas foi o Brasil, e as imparidades nele registadas, que levaram a Cimpor a fechar o ano com prejuízos de 787,6 milhões de euros – o que compara com os 71,2 milhões de resultados negativos registados em 2015
A suspensão negociada com os credores vai vigorar durante todo o ano de 2017, e, questionada pelo PÚBLICO acerca do custo que teria para a Cimpor esta suspensão temporária, fonte oficial da empresa negou a existência de "custos" e alegou que se tratava de um acordo corrente, conseguido com o argumento de que os bancos credores sabiam ter pela frente “um grupo muito capitalizado”. Apesar da desvalorização da suspensão deste mecanismo por parte da administração da Cimpor, o alerta está deixado de forma explícita nos documentos de fiscalização e auditoria que estão apensos ao próprio relatório e contas: “há uma incerteza material relacionada com a capacidade de a Entidade [Cimpor] se manter em actividade”, escrevem os auditores.
“A 31 de Dezembro de 2016 o passivo corrente consolidado, no qual se incluem financiamentos concedidos pela acionista Intercement Austria Holding GmbH no montante de 726,9 milhões de Euros, excede o ativo corrente consolidado em, aproximadamente, 410 milhões de Euros, e, [nessa data] o Grupo não cumpre com o limite de endividamento estabelecido em diversos contratos de financiamento, tendo negociado com as correspondentes instituições financeiras a suspensão, até 31 de Dezembro de 2017, da aplicação das condições associadas ao referido incumprimento. Face ao exposto, existe uma incerteza material que pode colocar dúvidas significativas sobre a capacidade da Entidade em se manter em continuidade”, lê-se no relatório de auditoria. E, acrescentam os auditores, apesar de terem sido divulgados no relatório de gestão da empresa “os planos existentes com vista à resolução da situação”, a opinião dos auditores relativamente às demonstrações financeiras “não é modificada com respeito a esta matéria”.
A uma tempestade perfeita…
Uma leitura ao relatório e contas que o Conselho de Administração da Empresa, liderada por Proença de Carvalho, vai levar à Assembleia Geral de accionistas convocada para 5 de Abril evoca uma espécie de situação excepcional que abrangeu todo o sector cimenteiro, e que no Brasil assumiu contornos de uma espécie de “tempestade perfeita”. O termo usado no relatório é “uma maior ociosidade da capacidade industrial cimenteira no Brasil”, e ele serve para introduzir a contração da atividade da Cimpor no Brasil, a quebra nos preços, e toda a questão cambial que acabou por afectar as contas da empresa - o EBITDA gerado neste país caiu 65,6%.
A “resiliência” é, ainda, o termo escolhido para caracterizar os esforços que fez a empresa nas várias frentes de mercado em que actua, e que lhe permitiram, até, verificar uma melhoria nos seus custos operacionais que caíram 24,1% para os 1490 milhões de euros. À custa de redução de postos de trabalho, e da alienação de activos considerados não estratégicos, como a venda de dois navios e da participação na central hidroeléctrica Machadinho. A administração fala ainda de um “aperfeiçoamento do perfil da dívida”, referindo-se aos processos de refinanciamento de 2016, que permitiram uma redução do custo médio de endividamento “suficiente para cobrir os compromissos financeiros dos próximos 18 meses”.
… responde-se com um aumento de capital
Mas a solução para o problema da dívida terá mesmo de ser ultrapassado com um aumento de capital até dois mil milhões de euros, obrigando a uma alteração dos estatutos da empresa que os accionistas vão já ser chamados a votar na mesma Assembleia Geral em que votarão os resultados de 2016.
Essa alteração de estatutos servirá não só para reflectir a autorização parar fazer aumentos de capital até aos dois mil milhões de euros, como para proceder a uma espécie de desblindagem de estatutos que permita converter todas as acções da Cimpor em acções sem valor nominal. Com estes pontos aprovados, o capital social a Cimpor passa a dividir-se em 672 milhões de acções sem valor nominal.
De acordo com o relatório e contas, o capital próprio atribuível a accionistas da Cimpor nas demonstrações financeiras consolidadas do grupo é negativo em 445 milhões de euros. Um saldo que resulta do facto de o total do activo ser 4,9 mil milhões de euros, 11% abaixo de 31 de Dezembro de 2015, fundamentalmente pelo registo contabilístico da imparidade o Brasil (650 milhões de euros). E do peso da dívida líquida atingir os 3.381 milhões de euros, 10% acima do fecho de 2015, uma "evolução penalizada pela contracção atípica da actividade e pelo efeito das flutuações cambiais", explica a empresa.