Perfil dos alunos à saída da Escolaridade Obrigatória
Deve ser seguido muito brevemente por propostas de currículos nos vários graus de ensino e por propostas de organização e gestão das escolas.
1. Ao comparar esta proposta com os documentos indicados como referência (OCDE e UNESCO) verificam-se algumas diferenças significativas. Estes documentos referem-se a conteúdos curriculares específicos: Língua materna, Línguas estrangeiras, Matemática, Ciências, etc., ao contrário do Perfil. Referem-se a sistemas de avaliação externa como por exemplo o PISA e o Perfil não. E propõem compromissos a assumir pelas instâncias governamentais mas o Perfil não.
Uma razão plausível para estas diferenças é pretender-se reunir o maior consenso possível para o Perfil e só depois “deduzir” o currículo e os sistemas de avaliação a partir daí. O risco é o Perfil ser um documento tão geral que toda a gente ou a maior parte das pessoas estão de acordo com ele e as discordâncias só serão evidentes quando se pretender implementar.
2. "Um perfil de base humanista" é incompreensível. Na primeira frase associa-se “a evolução da ciência” com a “construção de uma sociedade mais justa” sem qualquer explicitação. Na segunda relaciona-se “conhecimento” com “pessoa” e com “dignidade humana” utilizando formulação com sintaxe muito duvidosa.
Para este princípio bastava a afirmação de Guilherme de Oliveira Martins no “Prefácio”: Um perfil de base humanista significa a consideração de uma sociedade centrada na pessoa e na dignidade humana como valores fundamentais.
"Educar ensinando para a consecução efetiva das aprendizagens" não esclarece os conceitos: “aprendizagem”, “bons resultados”, “capacidade de aprender”, “saberes”, “competências”, etc. Esta falta de esclarecimento traduz-se na falta de ligação entre os vários usos das palavras “conhecimento”, “saber” e “aprendizagem” ao longo de todo o documento de 24 páginas.
"Valorizar o saber" refere-se a “conhecimento efetivo”, “curiosidade intelectual” , “saber”, etc. sem relacionar estes conceitos com as várias ocorrências destes termos nos outros Princípios. E o valor conhecimento/saber não aparece na lista dos valores referidos no ponto 4.
3. Sobre "a visão e os valores". Estes dois tópicos deveriam fundir-se para evitar repetições e confusões desnecessárias (fusão que se encontra nos documentos de referência da OCDE e da UNESCO).
Falta uma referência fundamental ao valor do conhecimento/saber. Essa falta poderia ser resolvida pela substituição da palavra “curiosidade” por "conhecimentos/saberes" no valor "curiosidade, reflexão e inovação.
4. Sobre as "competências-chave". Diz-se no início deste ponto que “Os sistemas educativos têm vindo a mudar de paradigmas centrados exclusivamente no conhecimento para outros que se focam no desenvolvimento de competências”. No mesmo sentido vai o que escreve David Rodrigues (um dos consultores da proposta) no jornal no dia 1 de Março de 2017: A competência não é um mero conhecimento que se tem, que se exibe, mas é, sobretudo, a utilização que se faz deste conhecimento. Daí que é muito importante recolocar o foco nas competências e voltar a pensar que elas constituem um dos grandes objetivos da Educação. Não procurar cabeças cheias de conteúdos, não empolar discursos sobre o conhecimento, mas sobretudo como é que esse conhecimento se mobiliza para nos fazer atuar e entender os contextos de valores, organizativos e culturais e em que estamos.
Está implícito nestas afirmações que mais importante do que possuir conhecimentos é o sentido que se dá a esses conhecimentos. Ora isso não me parece que seja o que está nos documentos de referência da OCDE e UNESCO nem o que corresponde, em meu entender, à missão maior da escola: consolidar, transmitir e/ou produzir conhecimentos/saberes e métodos de pesquisa e investigação.
5. Implicações práticas. A primeira implicação prática deveria ser transmitir e desenvolver conhecimentos e saberes com o máximo rigor, criatividade e atualidade. Muitas escolas (por exemplo a Escola Secundária de Camões onde trabalho) já concretizam a maior parte destas implicações. O importante é traduzir estas implicações em princípios gerais de orientação na legislação.
6.Observação final. As principais funções principais da escola pública são (em princípio por ordem de importância): Consolidação, transmissão e produção de conhecimentos e saberes; .Aplicação e promoção dos valores da cidadania democrática; Desenvolvimento pessoal e orientação vocacional; Divulgação de culturas.
A aplicação destas funções pressupõe um conjunto de horas dedicadas às disciplinas científicas (exatas, naturais, humanas e tecnológicas) e um conjunto de horas dedicadas às restantes funções da escola. Todas as horas devem traduzir-se em créditos que constem dos certificados dos alunos.
O Perfil, seja ele qual for, deve ser seguido muito brevemente por propostas de currículos nos vários graus de ensino e por propostas de organização e gestão das escolas.