Rosário Teixeira: pode uma virtude ser o seu grande defeito?
O magistrado que lidera a investigação a José Sócrates é um homem minucioso, concordam todos os que já trabalharam com ele. Mas é também essa característica que torna longos e pesados todos os processos em que está envolvido.
“Metódico”, “minucioso”, “bem preparado”. Mesmo os críticos do procurador Jorge Rosário Teixeira estão de acordo quando falam das suas virtudes. O homem que lidera a investigação da Operação Marquês, no âmbito da qual o ex-primeiro-ministro José Sócrates é arguido, é um “trabalhador compulsivo”, nas palavras do deputado do PSD Fernando Negrão, que o convidou para director-adjunto da Polícia Judiciária (PJ), em 1995. A procuradora Cândida Almeida, que oito anos volvidos, o levou para o Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), classifica-o como “o maior especialista” em crime económico entre os magistrados portugueses. Mas podem estas suas características virar-se contra ele?
O “problema”, diz Cândida Almeida, agora procuradora no Supremo Tribunal de Justiça, é que o seu conhecimento profundo sobre a corrupção leva-o muitas vezes a querer “investigar tudo o que está à volta” nos processos que estão a seu cargo.
“Por vezes, perde-se um bocado do objecto da investigação”, considera a antiga directora do DCIAP. Rosário Teixeira é conhecido por ser o homem dos mega-processos. É para o Ministério Público o que o juiz Carlos Alexandre é para a magistratura judicial, o que já lhe valeu a epíteto de “super-procurador”.
Nos últimos 15 anos tem sido o responsável pela investigação de boa parte dos grandes casos de criminalidade económica em Portugal: Portucale, Operação Furacão, Banco Português de Negócios (BPN), Monte Branco, além da Operação Marquês. Todos estes têm algo em comum: as investigações são longas, as acusações são enormes.
Bom investigador, “mau acusador”
Os mais de três anos que já leva a investigação a Sócrates — que, como ficou decidido na sexta-feira, vão ainda prolongar-se — não são, por isso, extraordinários face ao percurso profissional de Rosário Teixeira. Nove anos após terem começado, as investigações ao caso BPN ainda duram. Dos cerca de 20 inquéritos-crime em que este foi dividido desde 2008, apenas quatro terão levado a acusações formais. A primeira foi deduzida em Novembro de 2009 no chamado "processo principal" do BPN. O julgamento ainda decorre no Campus de Justiça, em Lisboa.
Já a Operação Furação levou nove anos até resultar numa primeira acusação, feita em Julho de 2013. O processo Monte Branco começou em Junho de 2011 e ainda não está fechado. Dos grandes casos, o único que já teve um desfecho é o Portucale. Depois de dois anos em investigação, terminou com todos os arguidos absolvidos.
“Historicamente, é um excelente investigador, mas um mau acusador. As suas acusações costumam ter fragilidades”, critica um magistrado que foi colega de Rosário Teixeira na fase inicial da sua carreira. É um comentário semelhante ao que um antigo inspector da PJ, ao lado de quem o magistrado trabalhou na investigação de vários crimes económicos, faz também: “A taxa de condenação dos processos a que está ligado costuma ser muito baixa.”
Homem de “confiança” para os juízes
Esta não é, contudo, uma opinião unânime. Um magistrado que foi colega do responsável pela investigação a José Sócrates recorda um homem “muito eficaz”. Outro procurador do DCIAP considera-o “muito bem preparado”. Já Fernando Negrão, que foi juiz na Comarca de Setúbal, onde Rosário Teixeira era procurador adjunto, no início dos anos 1990, fala num homem de “confiança” para os juízes: “Sabíamos com o que contar quando íamos com ele para julgamento. Tinha uma grande capacidade de estudo.”
O magistrado que lidera a Operação Marquês — que tentámos contactar, sem sucesso — estudou Direito em Lisboa, antes de entrar na carreira do Ministério Público, em 1986, aos 24 anos. Aos 33, chegou à direcção nacional da PJ. Saiu em 1999, na sequência da demissão de Negrão. Nessa altura, foi aberto um inquérito-crime que visava Negrão por violação do segredo de justiça no âmbito do caso Moderna.
O processo relativo a crimes de burla, gestão danosa e corrupção na Universidade Moderna foi a primeira grande investigação liderada por Teixeira. Um arranque nas lides dos grandes processos que se interrompeu subitamente. Com o afastamento de Negrão da PJ, Rosário Teixeira saiu também da polícia e a sua carreira sofreu um revés. Começou uma travessia no deserto, voltou ao Ministério Público e foi colocado como procurador-adjunto no Algarve, tendo sido promovido a procurador da República em 2001. Até Maio de 2003, esteve ao serviço no Tribunal de Santiago do Cacém, de onde saiu para o DCIAP.
Nas Caldas da Rainha, onde nasceu, há 54 anos, poucos se lembram dele. “Não tenho ideia nenhuma dele e é possível que até tenhamos andado juntos no liceu dadas as nossas idades”, conta um seu contemporâneo. O homem “reservado”, “calado”, “metido consigo mesmo”, que é descrito por aqueles que com ele trabalham, não se forjou apenas na carreira como magistrado. Eram características que vinham da juventude.
Ao contrário de Jorge, o seu pai era uma figura conhecida nas Caldas. Era tratado por como Rosário “Merceeiro”, por ser dono de uma mercearia na cidade. Jorge Rosário viria a acrescentar o apelido Teixeira ao seu nome depois de casado. É esse o apelido da esposa, uma médica de quem tem um filho.
Além da vida familiar, ninguém lhe conhece hobbies. Talvez veja um ou outro jogo do Sporting, clube que apoia. “Casou-se com o departamento”, graceja um colega. “A ideia que tenho dele é sempre a trabalhar”, concorda Negrão. O actual deputado do PSD e o procurador almoçaram várias vezes juntos, tanto em Setúbal como na PJ. À refeição, discutia-se a actualidade, os problemas do país. Mas mesmo nessas conversas Rosário Teixeira “nunca desligava das questões judiciais”. Com Carlos Cipriano