Há uma batalha no Porto onde os vencidos são os pés de chumbo
O Porto World Battle, que está a decorrer desde sexta-feira no MXM Art Center, na zona ribeirinha, atraiu pessoas de 42 países de todos os continentes. Neste domingo disputa-se a final da competição
Há um estrado no chão num passeio da rua do Ouro, na zona ribeirinha do Porto, com a frase Rock This Floor escrita a tinta de spray. Das colunas de som que estão atrás do mesmo estrado sai uma batida balançante. “A Polónia está na casa? E a Bélgica? Também está o Japão? O Reino Unido está presente e Portugal?”, pergunta Max Oliveira, que convida quem responde a saltar para o centro do palco raso. Não precisa de insistir muito. Há candidatos suficientes a responder à chamada do organizador da 1ª edição do Porto World Batlle (PWB), no primeiro dia do evento dedicado às danças urbanas, nascido das cinzas do Eurobattle, que começou na sexta-feira e termina neste domingo no MXM Art Center.
O passeio frente ao edifício onde se realiza o evento é pequeno de mais para cerca de uma centena de pessoas que se juntou em torno do palco. Começou o cypher - uma batalha de dança em 360 graus. É na rua que se faz a primeira disputa. Duarte Valadares, 26 anos, a sua especialidade é o hip hop e está a jogar em casa. Portugal contra o Reino Unido. Fita o adversário nos olhos. Avança num movimento de corpo a preencher o palco. Dá um “chega para lá” ritmado e coordenado com a música. Tem resposta, mas no final o júri é implacável. Passa Duarte para a próxima ronda.
Não é a primeira vez que participa em “batalhas” semelhantes. Já o fez um pouco por toda a Europa e desde 2007 também no Eurobattle, no Porto, “o único evento do género de grande dimensão” em solo nacional, que não se realiza desde 2015 e deu origem ao PWB.
Em cima do estrado há uma batalha, mas “saudável”. Bailarino profissional há 3 anos, com formação em hip hop e dança contemporânea, procura em eventos congéneres, “que acontecem um pouco por todo o mundo”, adquirir novos conhecimentos ao nível da dança. “É a ver que vou aprendendo mais. Acontece muitas vezes, noutras cidades, encontrar dançarinos que nunca saíram do sítio onde moram com uma técnica fora do normal”, diz. “Neste meio, a evolução de cada um não depende da melhor escola que possam ter frequentado, mas sim da dedicação”, completa. Profissionalmente, Duarte, vive exclusivamente da dança, para a qual despertou quando tinha 16 anos, mas tem os pés na terra: “Em Portugal é tudo muito incerto. Não nos podemos iludir, não somos rock stars, como acontece noutros sítios”.
Menos quatro anos do que a idade que tinha quando despertou para esta arte tem Red. É por este nome que gosta de ser conhecida. Vem do Reino Unido, com 12 anos e metade do tamanho da maior parte dos que lá estão a competir. É precisamente com Red que Duarte fica pelo caminho naquela sessão do cypher. Chega a final e leva a vitória para casa. Começou a dançar aos 4 anos, depois da mãe a ter levado a uma escola de dança. Recentemente, já ganhou outros prémios. Ao PÚBLICO diz que não se intimida pelo tamanho dos “adversários” mais velhos. No final de contas diz que lá está para se divertir e aprender. Confirmamos, estava a divertir-se. Poucos minutos depois daquela ronda já estava a dançar numa das salas do recinto.
O evento divide-se entre vários momentos e competições. Na zona exterior há dois estrados para as competições de cypher - “mais espontâneas” e abertas a todos os que queiram participar, como explica Max Oliveira, responsável pelo PWB. No interior do MXM Art Center há dois palcos para as competições principais onde se realizam, durante todo o dia, desde sexta-feira, as qualificações de grupo e individuais e onde este domingo será a final dos vários géneros: Hip-Hop, House Dance, Locking, Popping e Bboying.
Quando em 2005 Max organizou o “primeiro evento de dimensão mundial de dança urbana”, na altura designado por Eurobattle, não fazia ideia como ia correr. Inspirou-se noutros eventos internacionais semelhantes e esperava receber no Porto “alguns portugueses e espanhóis”. “Chegaram pessoas de 16 nacionalidades”, diz. Se na altura achava que fazer um evento de dimensão europeia pudesse ser exagerado, actualmente a nova vida do projecto, que esteve parado dois anos, tem uma dimensão mundial. São 42 as nacionalidades “dos cinco continentes” que estão representadas no evento que espera contar com 3 mil entradas, “fora os largos milhares” que vão parar frente ao edifício para assistir às actividades gratuitas. Entre alguns dos convidados nacionais e internacionais estão “vários nomes relevantes do estilo”, alguns também parte do júri, como Sarah, Bidow, Bruce Almighty, Tiboun, Márcio Ratinho, que vão também actuar.
Max, que é também responsável pelo MXM Art Center, faz parte de um dos grupos mais bem classificados nos rankings internacionais: a Max Momentum Crew, que fundou em 2003, e é considerada uma das cinco melhores do mundo. São 70 títulos europeus e “mais alguns” a nível mundial que conquistou individualmente e em grupo. Em 2016 foram campeões do mundo.
Um dos membros do júri, Márcio Ratinho, que em 2013 venceu o Eurobattle, afirma que “não é de conhecimento público que exista em Portugal um grupo de dança com esta dimensão”. Ratinho, nascido em Lisboa, que vive actualmente na Noruega, depois de ter passado pela Royal Academy em Londres, diz que começa a existir um interesse maior pela dança e especificamente pela cultura hip hop. Parte desse interesse diz ter origem na mediatização dada à dança pela televisão que “começou a apostar em programas de dança”. De resto, diz ter participado num desses programas. No entanto, e apesar de entender ser positivo o destaque que é dado, por despertar o interesse de algumas pessoas, considera não serem a montra ideal para o género em questão”porque raramente há gente a avaliar com conhecimentos de hip hop”.
Igualmente a viver na Noruega está Cláudio Fernandes. Também nasceu em Lisboa e conhece Ratinho. É hip hop que diz ter nas veias, embora se aventure também na representação. Tirou o curso de Interpretação e Animação Circense no Chapitô. Já ganhou algumas batalhas pela Europa fora, nomeadamente em Oslo. Eventos como o PWB frequenta pelo intercâmbio cultural que existe: “Acima de tudo resumo este tipo de encontros com uma palavra que representa também a cultura hip hop – partilha”.