Espólio do escritor Carlos de Oliveira vai ser exposto pela primeira vez

A exposição Carlos de Oliveira: A parte submersa do iceberg abre este sábado no Museu do Neo-Realismo.

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O Museu do Neo-Realismo dr

O espólio do escritor Carlos de Oliveira vai ser exposto pela primeira vez, no Museu do Neo-Realismo, em Vila Franca de Xira, a partir de sábado, revelando textos e iconografia de um dos principais autores portugueses do século XX.

A exposição Carlos de Oliveira: A parte submersa do iceberg abre este sábado e estará patente até dia 29 de Outubro, apresentando sobretudo manuscritos, dactiloscritos, documentos e fragmentos, "com todo o peso da aura" do autor de Uma abelha na chuva e Finisterra, disse à agência Lusa o curador da exposição, Osvaldo Manuel Silvestre, professor da Universidade de Coimbra.

A este material, "uma pessoa com treino filológico mínimo não pode ficar indiferente, o que é seguramente válido também para os leitores apaixonados ou [para] curiosos da obra de Carlos de Oliveira", disse o investigador à Lusa, indicando que foi dada também uma "atenção especial" à iconografia do autor, sobretudo a fotografias dele e sobre ele, de Ângela, sua mulher e companheira de toda a vida, familiares próximos e amigos, bem como à sua pintura e aos retratos que alguns pintores dele fizeram.

A exposição, que assinala os dez anos do Museu do Neo-Realismo no actual edifício, foi organizada sob a orientação de Osvaldo Silvestre, professor da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (FLUC), que distribuiu os "núcleos mais relevantes" do espólio de Carlos de Oliveira por jovens investigadores.

Assim, Rui Mateus ficou com a poesia, Ricardo Namora com o universo de Finisterra, o derradeiro romance, Ana Sabino com as questões gráficas e tipográficas nas várias colecções em que a obra de Oliveira foi editada, e Manaíra Athayde com a organização do arquivo.

Osvaldo Silvestre ficou responsável pelo tratamento de um núcleo dedicado a Uma Abelha na Chuva (do romance ao filme de Fernando Lopes) e com uma secção dedicada aos diários do também escritor José Gomes Ferreira, que permitem acompanhar, num período crucial do final dos anos 1960, a "vida literária" do autor de Pequenos burgueses e de um núcleo forte de amigos seus.

"Ou seja, a exposição não explora todo o espólio, o que seria impossível, tendo-se optado por eleger alguns núcleos dos mais significativos, pelas revelações que trazem", disse Osvaldo Silvestre à Lusa.

Aliás, esta mostra - como o próprio nome indica - tem por objectivo revelar a "parte submersa" do trabalho de Carlos de Oliveira, "tudo aquilo que ele foi submergindo a cada fase do processo de reescrita a que submeteu periodicamente a sua obra".

"Sobretudo a partir dos anos 1960, a obra torna-se uma espécie de estaleiro e o autor é tomado pelos efeitos da suspeita moderna em relação aos próprios fundamentos da sua obra", explica Osvaldo Silvestre.

Grande parte do que até aí tinha escrito é, então, objecto de uma revisão que não se apazigua com as novas edições, pois o espólio integra diversos exemplares de romances e livros de poesia com correcções, alterações, acrescentadas no próprio exemplar impresso.

"Ou seja, a obra vai-se tornando o seu próprio arquivo, ou produzindo arquivo. Logo, a parte submersa do icebergue é constituída, desde logo, por todas as camadas que a sua reelaboração vai produzindo e que o espólio nos permite reconstituir: em manuscritos, dactiloscritos, correcções em livros ou marginália".

O volume de trabalho do autor com que os investigadores se depararam varia consoante as obras, mas há algumas — como é o caso do seu último romance, Finisterra - que "surgem agora a uma luz renovada, em função da descoberta de uma série de materiais preparatórios do longo processo de escrita".

Segundo o curador e professor, "Finisterra foi muitas coisas antes de ser o romance que veio a ser publicado em 1978", sendo agora possível tentar reconstituir "esse tortuoso processo de elaboração de uma obra que resume, a seu modo, todo o drama que a suspeita induz no Oliveira da maturidade".

"A ponto de, como se percebe por algumas confissões a José Gomes Ferreira, e constantes dos Diários deste, o autor ficar na dúvida sobre se um romance como esse, que somatiza as [suas] dúvidas e inquietações literárias, poderia alguma vez estar concluído", acrescenta o especialista em Teoria da Literatura.

Fora isto, "que é talvez o mais estimulante para quem mergulha no espólio", há textos inéditos, textos dispersos, e toda a área da correspondência, que a equipa que está a estudar o espólio (integrante do Centro de Literatura Portuguesa, FLUC) pretende editar proximamente.

A exposição será acompanhada por um programa de eventos, tanto no Museu do Neo-Realismo (mesas-redondas, sessões do serviço educativo), como nas três cidades que estão mais relacionadas com a vida do autor: Cantanhede, Coimbra e Lisboa.