Acusação a Sócrates espera informações de quatro países
A falta de resposta a pelo menos quatro cartas rogatórias é o principal fundamento do pedido do procurador Rosário Teixeira, que lidera a Operação Marquês, para solicitar pelo menos mais dois meses para terminar a investigação.
A principal justificação para o procurador Rosário Teixeira, que lidera o inquérito ao ex-primeiro-ministro José Sócrates, no âmbito da Operação Marquês, solicitar pelo menos mais 60 dias para terminar a investigação é a de que ainda falta ao Ministério Público receber as respostas a pelo menos quatro cartas rogatórias enviadas às autoridades judiciais de quatro países: Singapura, Reino Unido, Suíça e Angola.
A maior parte dessas cartas rogatórias – um instrumento usado para pedir oficialmente elementos de prova a entidades estrangeiras – refere-se a pedidos de elementos bancários considerados essenciais para fechar alguns circuitos financeiros que estão a ser reconstituídos pelos investigadores.
Por exemplo, o pedido enviado para a Suíça solicita informações sobre contas controladas pelo antigo administrador da PT, Henrique Granadeiro, mas o facto de este se ter oposto ao envio dos dados – um direito que a lei suíça lhe dá – está a atrasar a resposta.
O único pedido que tem uma natureza diferente foi o remetido às autoridades angolanas, que solicita a constituição como arguido de José Bernardo Pinto de Sousa, empresário e primo de Sócrates, já antes referenciado no processo Freeport. É o beneficiário de várias offshores das quais foram transferidos montantes avultados para o amigo de longa data de Sócrates, Carlos Santos Silva, que o Ministério Público acredita ser o testa-de-ferro do ex-primeiro-ministro.
Uma fonte ligada à investigação adiantou ao PÚBLICO que o requerimento a pedir o prolongamento do prazo só foi feito esta quarta-feira porque a equipa estava genuinamente a tentar cumprir o limite determinado pela procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal. A mesma fonte garante que “o edifício da acusação já está construído, faltando agora apenas alguns acabamentos”. Mesmo assim, sustenta que estes pormenores são importantes para que não se faça uma acusação coxa.
O último prazo dado pela procuradora-geral da República para concluir o inquérito terminará nesta sexta-feira (a defesa de Sócrates insiste que terminou na passada segunda-feira). Joana Marques Vidal terá agora de tomar uma decisão quanto a este novo requerimento de Rosário Teixeira. Contactada pelo PÚBLICO, fonte oficial da Procuradoria-Geral da República disse não ter ainda qualquer informação sobre o pedido do principal titular do inquérito.
"Pouca-vergonha absolutamente inaceitável"
Um dos advogados do ex-primeiro-ministro José Sócrates, Pedro Delille, fala no pedido de prorrogação de prazo como uma "pouca-vergonha absolutamente inaceitável" e diz que pondera apresentar uma queixa no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que já condenou Portugal muitas vezes por morosidade excessiva da justiça. "Em vez de reconhecer que não tem provas e ter a decência de arquivar o processo, o Ministério Público anda nesta brincadeira. Penso que já ninguém leva a sério esta investigação", observa. "Esperemos que a procuradora-geral da República mostre que existe e mande arquivar – até porque o processo pode sempre ser reaberto se um dia vierem a ser descobertas provas" que incriminem os arguidos, acrescenta Pedro Delille.
Esta quarta-feira foi novamente interrogada no Departamento Central de Investigação (DCIAP), Sofia Fava, ex-mulher de Sócrates e arguida neste caso, que entrou naquele departamento cerca das 10h30 e saiu pouco antes das 14h. À saída, o seu advogado, Paulo Sá e Cunha, garantiu que a cliente não foi confrontada com dados novos. Às 14h30 foi a vez de entrar no DCIAP o arguido Diogo Gaspar Ferreira, administrador de Vale de Lobo. O PÚBLICO sabe que o interrogatório demorou menos de uma hora, o tempo que os procuradores demoraram a ler os novos factos apurados. O arguido, que prestou declarações quando foi constituído arguido, remeteu-se agora ao silêncio.
No final de Março do ano passado, o director do DCIAP tinha fixado 15 de Setembro passado como o prazo limite para concluir a investigação, admitindo que por “razões excepcionais, devidamente fundamentadas” poderia vir a ser determinada outra data. Dois dias antes desse prazo terminar, Amadeu Guerra reconheceu que seria impossível terminar a investigação a 15 de Setembro devido a um conjunto de diligências consideradas imprescindíveis para o esclarecimento dos facto.
Na sequência de um pedido de aceleração processual feito por José Sócrates, a própria procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, foi chamada a decidir. Num despacho de 14 de Setembro do ano passado, a líder do Ministério Público reconhece que o prazo máximo de inquérito se encontrava ultrapassado, mas sublinhava: “Não se verificou anteriormente e continua a não se verificar, qualquer atraso ou morosidade injustificada na actividade desenvolvida pelo Ministério Público e pelo órgão de polícia criminal”.
Processo de "elevada complexidade"
Joana Marques Vidal justificava a demora na conclusão do inquérito com a “elevada complexidade” da investigação e lembrava que estavamos perante um “processo de especial complexidade reconhecida, transnacionalidade e de elevada dimensão, com uma quantidade muito significativa de documentação para analisar e correlacionar, sendo que a investigação está ainda dependente do cumprimento integral de pedidos de cooperação judiciária internacional, de diligências complementares relativos a novos factos surgidos e que já levaram à realização de diligências não previstas”.
No entanto, a procuradora-geral entendeu que visto que, nessa altura, o inquérito já contava com mais de três anos, se justificava uma aceleração processual. Determinou, por isso, “o prazo de 180 dias para a realização de todas as diligências de investigação consideradas imprescindíveis”.
A investigação começou em Julho de 2013 e, segundo a Relação de Lisboa, atingiu o prazo máximo a 19 de Outubro de 2015. A lei penal define prazos máximos (entre os seis e os 18 meses) para os procuradores terminarem os inquéritos, mas não prevê qualquer sanção para a violação desses prazos. Por isso, o entendimento generalizado dos tribunais é que os prazos são meramente indicativos.
Os penalistas explicam que o incumprimento do prazo máximo de inquérito pode ter reflexos disciplinares, no seio do Ministério Público, mas não ao nível da própria investigação. Há, aliás, casos, como um dos inquéritos da Operação Furacão — que pôs a nu um complexo esquema de fraude fiscal —, em que a acusação foi proferida 11 anos após o início do inquérito, já os prazos estavam ultrapassados há anos.