O BES, a praia e a “prosa soalheira e leve” de Cristas. PS usa a ironia: não está surpreendido

CDS ainda tentou defender-se das acusações à sua esquerda. PSD nem falou na parte do debate dedicada ao sistema financeiro.

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Assunção Cristas foi atacada no Parlamento por causa da entrevista ao PÚBLICO NUNO FERREIRA SANTOS
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O deputado do PS assumiu as críticas a Cristas Rui Silva/Aspress

A agora deputada centrista abana a cabeça, aponta o dedo, e responde mas, sem microfone ligado, nada se percebe. Já a bancada do PSD está em silêncio e com lugares vazios. As revelações de Assunção Cristas ao PÚBLICO acendem o debate no Parlamento, com o PS a acusar o anterior Governo de falhas: “As revelações de Assunção Cristas não nos surpreendem, mas servem, que nem uma luva, para engrossar o rol de factos que justificam as responsabilidades do PSD e CDS e sentenciam, de uma vez, o que há muito já devia estar claro: quando o PS chegou ao governo, infelizmente, já estava tudo estragado”, diz o socialista Carlos Pereira quando lança, nesta quarta-feira, a discussão sobre o sistema financeiro.

“O BES e o BANIF desapareceram do sistema financeiro português e nenhum deles tem uma história que ilibe de responsabilidades o PSD e o CDS”, continua Carlos Pereira. Está mesmo a ver-se onde vai parar a intervenção do deputado: “Perante um rombo de cinco mil milhões de euros, a actual líder do CDS, e anterior ministra do Governo PSD/CDS declarou, para todos os portugueses escutarem, sem qualquer rebuço, preto no branco, que assinou de cruz a solução para o BES e fê-lo assim, com uma insustentável leveza, porque estava em tempo de férias, e ainda acrescentou, para não deixar cair, para já, o ex-parceiro de coligação, que actuou assim porque a senhora ex-ministra Maria Luís Albuquerque, sempre ela, lhe pediu em situação de urgência.”

Sentada agora na primeira fila da sua bancada, Cristas ouve as críticas carregadas de ironia: “Foi assim, com a sua assinatura electrónica, mas sem ler o que assinava, numa prosa solarenga e leve, que a actual líder do CDS informou o país como se juntou ao PSD para dar origem, minutos antes de ir para a praia, a um exército de lesados, a prejuízos a milhões de contribuintes portugueses e, não menos importante, a deixar sem chão centenas de funcionários. “

Se no final do discurso, o PS haveria de usar a ironia para dizer que não estava surpreendido com as revelações de Assunção Cristas ao PÚBLICO, antes deixou claro que estava: “As surpresas, contudo, não ficam por aqui: ficamos a saber, também, que, no Conselho de Ministros de então não se falava dos problemas da banca. Havia 12 mil milhões reservados para reestruturar o sistema financeiro português, mas Passos Coelho estava entretido com o aumento colossal de impostos, com as graves afrontas às instituições da República, nomeadamente o Tribunal Constitucional, na endiabrada e insolente obsessão de empobrecer o país, ou privando gente pobre das prestações sociais”, prossegue o deputado.

Cortinas opacas e histórias arrepiantes

Em causa está, claro, a entrevista que Cristas deu ao PÚBLICO e na qual afirmou que, no anterior Governo, “o assunto BES nunca foi discutido em Conselho de Ministros com profundidade”. Acrescentou que foi apenas referido e que “discussão em profundidade do problema do BES, das soluções, das alternativas, das hipóteses, isso nunca aconteceu”. Quando questionada sobre se repetiria a resolução tomada no caso BES, insistiu que o anterior executivo não discutiu “os cenários possíveis” no Conselho de Ministros. E foi nessa passagem que contou que estava de férias quando recebeu um telefonema de Maria Luís Albuquerque: “Eu estava no início de férias e recebi um telefonema da ministra das Finanças a dizer: ‘Assunção, por favor vai ao teu email e dá o OK, porque isto é muito urgente, o BdP tomou esta decisão e temos de aprovar um decreto-lei’. Como pode imaginar, de férias e à distância e sem conhecer os dossiers, a única coisa que podemos fazer é confiar e dizer: ‘Sim senhora, somos solidários, isso é para fazer, damos o OK.’ Mas não houve discussão nem pensámos em alternativas possíveis — isto é o melhor ou não —, houve confiança no BdP, que tomou uma determinada decisão”.

No discurso inicial, o deputado socialista tece muitas outras críticas à actuação do anterior Governo, mas são sobretudo as primeiras palavras que irritaram as bancadas da direita. “No meio da austeridade obsessiva, e quase sádica, levada a cabo pela governação anterior e realizada com a abdicação do papel de parceiro entre iguais nas instituições europeias, atitudes que, felizmente, terminaram com o actual Governo, cortinas opacas escondiam histórias arrepiantes da vida governativa portuguesa durante esse período sombrio de governação PSD e CDS” – estas foram as primeiras palavras que Carlos Pereira dirigiu aos deputados, e nem a social-democrata Paula Teixeira da Cruz, nem a centrista Cecília Meireles gostaram do léxico usado.

Paula Teixeira da Cruz, que era ministra naquele Governo, reage: pede uma "certidão", documento que lhe permitirá depois fazer o que entender sobre aquela acusação que ouviu de "sadomasoquismo". Ouvem-se gargalhadas. “Senhores deputados, riam-se à vontade.”A resposta vem o Presidente da Assembleia da República em exercício, José Matos Correia: quando a transcrição do debate for aprovada, será do conhecimento de todos os deputados. E a social-democrata poderá, então, ponderar o que fazer. 

Depois é a vez de Cecília Meireles desafiar o socialista: “Cortinas que escondiam histórias arrepiantes? Que cortinas são estas? São as cortinas atrás das quais esconderam a bancarrota de Portugal e as negociações com a troika? É mesmo assim que quer discutir o BES e CGD? Se quiser falar de cortinas e histórias arrepiantes, estamos disponíveis, o senhor deputado é que, garanto-lhe, não estará.”

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