Projecto de aeroporto no Montijo ainda faz sentido como há dez anos?
Em 2007, um projecto que repensava as ligações entre Lisboa e a margem sul do Tejo, com um novo aeroporto no Montijo, venceu o prémio universitário da primeira edição da Trienal de Arquitectura de Lisboa. Continuará a fazer sentido dez anos depois, quando se decide pela reconversão da Base Aérea do Montijo para as low cost?
De um lado, uma base aérea transformada em aeroporto voltado para a cidade, com avanços desta sobre a margem e infra-estruturas pesadas reconvertidas em áreas urbanas. Do outro, praças de água a relembrar praias perdidas e o comboio longe da margem. A ligar o Norte e o Sul do Tejo, uma terceira travessia, uma “ponte-cidade” pensada para facilitar o acesso ao aeroporto do Montijo. Foram estas as linhas orientadoras de um projecto coordenado pelo arquitecto Nuno Grande que, com perto de 20 alunos da Universidade de Coimbra, venceu o prémio 2007 da Trienal de Arquitectura de Lisboa, na vertente académica. Dez anos depois, a Base Aérea do Montijo é “uma solução sólida e “financeiramente comportável para o Estado”, como defendeu o ministro do Planeamento e Infra-estruturas, Pedro Marques, no dia da assinatura do memorando de entendimento entre o Governo e a ANA — Aeroportes de Portugal. Dez anos depois, acredita Nuno Grande, a “perspectiva holística” pensada em contexto universitário “continua a fazer sentido”.
O arquitecto nascido em Luanda há 50 anos fala ao P3 na sala de reuniões do atelier que ocupa no centro do Porto. O desafio que a primeira edição da Trienal de Arquitectura de Lisboa lançou aos estudantes foi o de “pensar as duas margens do Tejo, numa relação entre Lisboa e as cidades da chamada Margem Sul”. A discussão sobre um segundo aeroporto para servir a capital era tão actual em 2007 como é em 2017 — e Nuno Grande decidiu integrar um projecto para a nova infra-estrutura aeroportuária, no Montijo, na ideia apresentada a concurso. E uma terceira travessia afigurava-se essencial. “Olhando para a nossa proposta, parecia possível imaginar uma cidade com duas margens e não uma cidade de uma margem nobre e outra abandonada.”
“A Base Aérea do Montijo tem duas pistas e a grande discussão que se põe é em que direcção devem aterrar os aviões”, continua: no eixo Poente-Nascente ou Sul-Norte. No projecto que orientou, o arquitecto aponta o sentido Sul-Norte como o mais usado. “Isso permitir-nos-ia pôr o aeroporto mais perto do Montijo, numa espécie de linha entre a cidade e as pistas”, justifica, mas a estrutura proposta “serve de uma maneira ou de outra”, vocacionada para as companhias low cost. A 15 de Fevereiro último, fonte do Ministério do Planeamento garantiu, escreve o PÚBLICO, que a pista principal do Montijo, com “um comprimento aproximado ao da pista secundária do Aeroporto Humberto Delgado, terá igualmente condições para receber aviões de maior parte, em situações de contingência ou indisponibilidade temporária do aeroporto principal, respondendo às preocupações já expressas pelos pilotos”.
Nas extremidades do aeroporto estariam, neste plano hipotético, a ligação à terceira ponte e ao terminal de barcos. O aeroporto foi projectado com “dois terminais, uma porta de entrada e uma pequena praça de ligação ao barco”, à qual se poderia aceder a pé. Do projecto efectivo, pouco ou nada se sabe. O memorando de entendimento assinado entre o Governo e a ANA prevê a realização, até ao fim de 2017, de estudos “necessários do ponto de vista ambiental e de navegabilidade aérea”. Espera-se que os trabalhos possam estar no terreno durante 2018 e terminados em 2021, com um orçamento que não deve ultrapassar os 250 milhões de euros. Segundo o estudo encomendado pela Autoridade Nacional de Aviação Civil à consultora Roland Berger, entregue no Parlamento, a previsão é de que haja capacidade para movimentar cerca de 2300 passageiros “na hora de ponta de abertura” e 3800 na fase de expansão.
Infra-estruturas, “os monumentos do século XXI”
“Este pode ser o século da margem Sul e o aeroporto do Montijo é um primeiro movimento importante”, resume o também investigador em arquitectura. E este movimento, acreditam o arquitecto e os estudantes de 2007 — Natanael Lima, Vasco Silva, Nelson Mendes, Diamantino Silva, Amílcar Soares e Sara Silva — que trabalharam nesta parte específica do projecto, não se limita ao aeroporto. A terceira travessia sobre o Tejo seria “uma ponte urbana a ligar duas cidades, não uma ponte de auto-estrada”: “amarrava-se”, em Lisboa, na frente formada pelos conventos de Madredeus e Xabregas — “aproveitando o facto de a linha projectada do TGV provir do Vale de Chelas — e, no Barreiro, nos terrenos da Quimiparque. Esta “ponte-cidade”, como o docente universitário gosta de lhe chamar, teria um “ar arqueado, para ser mais elegante”, e só o automóvel e os peões desceriam à cota do rio. Mais curta do que a Vasco da Gama e mais longa do que a 25 de Abril, a terceira ponte teria perto de cinco quilómetros de extensão e havia ainda a hipótese de as pessoas poderem atravessá-la de bicicleta. “Vemos sempre as pontes como espaços de passagem e não de vida, mas o Tejo é tão bonito que a ponte pode ter uma ciclovia, jardins. Quase como se fosse uma ponte-ilha.” Para o arquitecto e curador de exposições, “as infra-estruturas são os monumentos do século XXI”.
Para 2017 está previsto o estudo do plano de mobilidade para ligar o Montijo a Lisboa; em avaliação está a abertura de uma linha ferroviária ligeira na ponte Vasco da Gama, à semelhança do que existe a Sul do Tejo ou na área metropolitana do Porto. A construção de uma terceira travessia sobre o Tejo na zona de Lisboa não está, para já, em cima da mesa.
Lisboa “sempre teve uma relação muito orgânica com o rio, mas, ao longo do tempo, foram-se fazendo aterros (…) e as obras portuárias vieram regularizar o que antes era muito recortado”. “Porque é que, do lado de Lisboa, não devolvemos a água a alguns lugares onde ela existia, através de praças de água que relembrem um pouco as praias antigas da margem?” Este plano passaria por tirar o comboio do Cais do Sodré e “fazer uma linha de metro de superfície até Algés”, bem como construir uma praça de água “à volta do Cais das Colunas para que as pessoas se afastassem e pudessem ver o Terreiro do Paço de uma perspectiva que só se tem de barco”.
Já do lado Sul, em vez de “recortar a cidade”, a tendência passaria por “avançar sobre a margem através de elementos infra-estruturais pesados”. Toda a frente do Barreiro seria re-estruturada e a frente fluvial da cidade, “nobre”, devolvida à população: uma ponte, um novo estádio para o Barreirense e uma nova estação para os autocarros “com inspiração na Estação do Oriente”. “No fundo, levávamos o espírito da Expo’98 para o Barreiro (…), que é uma cidade enclave.” O plano subjacente a todas estas transformações é a resposta à questão que Nuno Grande colocou aos alunos da altura: “Se estamos a propor uma qualidade de vida urbana para Lisboa, por que não levar também para a margem sul?”
Texto actualizado às 12h10 de 15 de Março de 2017.