A grande malapata do cinema português é a comédia
Andamos há décadas à procura do “paraíso perdido” a que no imaginário colectivo correspondem as comédias dos anos 30 e 40. O problema é que esse imaginário se transferiu para a televisão, e Malapata não encontra outra solução.
A grande malapata do cinema português é a comédia: andamos há décadas à procura do “paraíso perdido” a que no imaginário colectivo correspondem (mal ou bem, não importa para o caso) as comédias dos anos 30 e 40. O problema, ou um dos problemas, é que esse imaginário se transferiu para a televisão, e Malapata não encontra outra solução que não a mesma que é constantemente encontrada: trazer a televisão para o cinema. Trazer as suas figuras (os cómicos Rui Unas ou Marco Horácio, o mágico Luís de Matos, a starlet Luciana Abreu), trazer um ambiente visual que lhe é largamente devedor: a iluminação “chata” de telenovela, os enquadramentos de publicidade, os separadores turísticos como todos aquelas vistas aéreas que parecem ter vindo de um spot de promoção do turismo algarvio (pois Faro e as imediações são o cenário da acção).
Mas, sobretudo, uma indiferença que deixa sempre os actores sozinhos com o seu texto (que não é grande coisa), na vã esperança de que assim automaticamente se produza o milagre da hilariedade. Não produz.
Unas, Horácio, outros cómicos televisivos da actualidade, têm energia suficiente (e alguma graça) para funcionarem melhor em cinema do que o que têm funcionado.
Falta terem filme à volta, falta terem uma estrutura que os ampare (ou desampare), falta perderem o medo de apanhar o espectador em falso em vez de permanecerem eternamente como seus cúmplices (e correrem o risco de, como dizia Godard de Jerry Lewis, “serem engraçados por não serem engraçados”). Falta, em suma, ferocidade, aquela para que a mais bizarra cena do filme (quando os protagonistas de despedem violentamente do emprego por entre insultos e agressões ao patrão), ou o momento “some like it hot” do final (Unas e Horácio em travesti, como “partenaires” do ilusionista), parecem apontar. Mas tudo volta sempre aos eixos, ao previsível roteiro da graçola e do sotaque, e a uma ordem que exclui qualquer hipótese de anarquia. E, sem isso, nada redime Malapata, nem nada impede que seja só um telefilme transplantado para os ecrãs das salas de cinema.