Uma oportunidade para um modelo português da prostituição
A prostituição é uma atividade sobre a qual qualquer pessoa tem uma opinião. Mesmo desconhecendo a realidade do comércio do sexo, os estereótipos, os preconceitos e as ideologias (sobretudo estas) são bastantes para se opinar, deturpar, debitar números que não se sabe de onde vêm e empreender missões salvíficas. A realidade da prostituição é, contudo, complexa, não sendo possível efetuar análises sérias que sejam simples e dicotómicas. Reduzir a diversidade de pessoas, de experiências e de trajetos à violência e ao tráfico só pode ser um ato de ignorância ou de má-fé.
Geralmente, fala-se em três modelos que enquadram legalmente a prostituição: o proibicionismo, o regulamentarismo e o abolicionismo. O primeiro entende as pessoas que vendem serviços sexuais como delinquentes e criminaliza-as. O segundo concebe a prostituição como devendo ser regulada pelo Estado, geralmente em nome da ordem e da saúde públicas, esquecendo, quase sempre, os direitos das pessoas que fazem desta atividade um trabalho, pelo que não me parece o modelo ideal. Inserem-se aqui os casos da Holanda e da Alemanha que têm virtudes (reconhecimento legal, proteção social, garantia de direitos laborais …), mas também defeitos. Para o abolicionismo, as prostitutas são vítimas e a prostituição um mal a erradicar. Esta é a base da lei penal portuguesa, que pune quem incentivar o exercício da prostituição com intenção lucrativa. É também aqui que se inclui o erradamente denominado modelo nórdico, que persegue os clientes da prostituição — uma espécie de experimentalismo social que tem mostrado a sua falência.
Há ainda um quarto modelo, menos difundido: a descriminalização. É o modelo em vigor na Nova Zelândia desde 2003. Este modelo, o mais avançado, descriminalizou todos os aspetos do comércio do sexo e entende a prostituição como uma profissão sem leis, regulamentos ou estatutos especiais. É um modelo que tem sido bem avaliado, sendo o maior impacto reconhecido na saúde e no bem-estar dos/as trabalhadores/as do sexo.
O PS, em congresso nacional, aprovou uma moção no sentido da regulamentação da prostituição. A moção encontra-se bem fundamentada, atende à diversidade do trabalho sexual, salvaguarda as situações de coação e de abuso e incentiva a discussão sobre este tema, tendo em vista justamente assegurar direitos, liberdades e garantias. De louvar.
Vejo esta proposta como uma oportunidade para debater e abrir caminho para a adoção em Portugal de um modelo inovador, progressista, e que atenda às especificidades portuguesas. O que se impõe é que se faça com a prostituição o que se fez com a droga (com o reconhecimento internacional): estudo, avaliação, debate, consulta a quem mais sabe sobre o fenómeno e os seus atores, de investigadores a interventores sociais, de polícias a profissionais de saúde, sem esquecer nunca de ouvir as pessoas que fazem prostituição. Falo de uma política baseada em evidências que resista a lóbis e fações e rejeite a retórica moralista. Uma política que não se esqueça que estão em causa direitos humanos de pessoas que têm sido sistematicamente excluídas e que devem ser tratadas com dignidade.
Professora da Universidade do Porto
A autora escreve ao abrigo das regras do novo Acordo Ortográfico