CETA: o acordo que pode derrotar a democracia na Europa
Propõe-se eliminar todas as taxas aduaneiras relevantes, harmonizar por baixo padrões ambientais e de segurança alimentar e escancarar a porta para que se possam incumprir regras e metas de combate às alterações climáticas.
Algumas pessoas podem já ter ouvido falar num acordo comercial e de investimento entre a União Europeia (UE) e o Canadá. Devem ter ficado com a impressão que é dos mais transparentes até hoje negociados, que trará melhorias económicas e criação de emprego a níveis extraordinários. Dá-se pelo nome de CETA (Acordo Económico e Comercial Global) e é melhor que lhe prestemos bastante atenção.
Apesar de revestido com uma capa charmosa, o seu conteúdo é corrosivo para a democracia. Foi negociado durante oito anos à porta fechada, sem possibilidade de escrutínio por parte dos cidadãos e dos seus representantes eleitos, mas em estreita articulação com as multinacionais.
Sugiro que façamos um exame a este tratado e que o comecemos pelo que os seus entusiastas dizem ser a sua grande mais valia: o crescimento da economia e do emprego. Um estudo, encomendado pela própria Comissão Europeia, revela que o crescimento esperado, em sete anos, será de (apenas!) 0,08% do PIB da UE. Em relação ao emprego, vários estudos apontam para uma perda potencial de 200 mil postos de trabalho em toda a União. Mas, se o crescimento económico é residual e as ameaças ao emprego são superiores às garantias, o que encanta os seus defensores?
A Europa é a região do mundo onde os padrões ambientais e de segurança alimentar são mais elevados. Um aborrecimento para as multinacionais, ou um pesado custo de contexto, dirão eufemisticamente outros. É a partir daqui que se torna mais claro para quem o acordo é um apetecível pote de mel.
O CETA propõe-se eliminar todas as taxas aduaneiras relevantes, harmonizar por baixo padrões ambientais e de segurança alimentar e escancarar a porta para que se possam incumprir regras e metas de combate às alterações climáticas ainda recentemente traçadas. Ou, para demonstrar um caso bem concreto, estende o tapete vermelho às prateleiras dos nossos supermercados à carne canadiana produzida com hormonas e OGM’s, hoje absolutamente proibidas na UE
Se a vontade de terraplanar anos de evolução legislativa para proteger consumidores e o meio ambiente é merecedora de apreensão, a transferência de soberania popular e democrática de instituições eleitas para os conselhos de administração dos grandes grupos económicos é ainda mais assustador. Não exagero ao dizer que o CETA vai golpear por via legislativa o Estado de direito democrático como o concebemos na Europa desde o pós Segunda Guerra Mundial.
O tratado cria um conjunto de disposições que limitam radicalmente o poder legislativo dos países, em todas as matérias que possam ser considerados fora do “espírito do acordo”. Leia-se, tudo o que possa beliscar os interesses das multinacionais, onde se incluem o que nos habituamos a conhecer como direitos sociais e laborais, proteção ambiental ou saúde pública.
O CETA institui um tribunal arbitral privado que se coloca acima do ordenamento jurídico europeu e torna as multinacionais praticamente plenipotenciárias. Se uma dada lei for considerada prejudicial ao investimento ou aos lucros “expectáveis” das grandes empresas, o Estado será processado, não podendo sequer recorrer ao Tribunal Europeu de Justiça - único órgão judicial reconhecido pela legislação europeia.
A criação de tribunais arbitrais para resolução de litígios não é uma metodologia nova, mas com o acordo ganha contornos nunca antes vistos na Europa. Vejamos mais um exemplo: com o CETA, os países pensarão duas vezes antes de legislarem sobre políticas públicas antitabágicas, por exemplo, pois correrão o risco de serem duramente multados por interferirem nos lucros das tabaqueiras.
Apesar de já ter sido aprovado no Conselho e Parlamento europeus, ainda vamos a tempo de travar este desastroso acordo. Agora é a vez de os parlamentos de cada Estado-Membro se pronunciarem. A nível nacional não se podem repetir os mesmos erros. Têm que prevalecer os direitos dos cidadãos sobre a ganância das multinacionais. Resgatar a democracia está nas nossas mãos.