“O tempo não volta para trás; aproveitem bem cada dia”

Um ano depois, Marcelo voltou ao seu liceu Pedro Nunes, vendeu a revista Cais, foi ao museu e condecorou ex-primeiras-damas. Ao seu estilo, como sempre.

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Rui Gaudêncio

O conselho foi deixado por Marcelo Rebelo de Sousa aos mais de 300 alunos que acorreram ao antigo ginásio da Escola Secundária Pedro Nunes, no bairro da Estrela, em Lisboa, mas tanto poderia estar a falar para eles como para si próprio. “O tempo não volta para trás; aproveitem bem cada dia. Às vezes parece uma chatice, que nunca mais envelhecem. Mas vão é ter muitas saudades deste tempo. Os exames são a horas fixas; depois, na vida, os exames são quando menos se espera”, avisou o Presidente da República esta quinta-feira, quando respondia a perguntas dos alunos numa conversa de mais de duas horas que estava anunciada como uma “aula”, com uma secretária com livros e uma jarra de rosas vermelhas, e uma cadeira onde não se sentou. Na verdade, foi uma aula sobre a vida.

No dia em que passou um ano sobre a tomada de posse, Marcelo manteve o seu estilo imprevisível e informal. Escolheu aquela escola porque passou ali os tempos mais marcantes da sua vida – sete anos, entre os dez e os 17 -, confessou. Mas ainda tencionava passar pela sua faculdade ao fim da tarde, depois das condecorações a Maria José Ritta e a Maria Cavaco Silva, as mulheres dos antecessores. E até fugiu, sozinho, até ao Chiado, onde visitou o museu durante a tarde – quando os jornalistas apostavam que tinha ido dar um mergulho, já que repetiu, na escola, que, se não fosse Presidente, à hora de almoço estaria a nadar no mar.

Aos alunos contou como foram os seus sete anos no Pedro Nunes, onde chegava todos os dias a correr, a queimar a campainha, num pulinho desde a São Bernardo. Falou da Lisboa e do país de então – da ditadura (contou que o pai foi ministro de Salazar), da pobreza generalizada, da mortalidade infantil, das crianças que iam trabalhar aos dez anos depois dos quatro anos de escola obrigatória, dos liceus separados por sexo, das disciplinas de que gostava e das que odiava, de como passava os tempos livres entre o desporto, o snooker e os livros (porque a TV não o marcou, então), dos aviões de papel para ajudar os testes dos outros, dos namoros, das acções de cidadania.

Ali apanhou as mudanças de mentalidades dos finais da década de 60, ali decidiu que queria cursar Direito, um “factor subliminar de vingar o que foi o sonho falhado” do pai, médico que pouco exerceu e se converteu em político. E quase fez ali os testes psicotécnicos para os futuros universitários, avisou que “é mais importante a vocação que o curso” e, na dúvida, perguntem à família ou aos amigos o que devem seguir. “Não há perguntas difíceis, pode haver é respostas incómodas.”

E elas apareceram dos alunos, mas Marcelo soube sempre dar a volta. Defendeu que “tudo é política”, desde “servir os outros” às escolhas no futebol ou ao trabalho numa fábrica que faz o país avançar. E como ele precisa do contributo dos jovens para isso! O Presidente que o é "porque calhou", prefere ser tratado por “professor”. Porque o primeiro “é cinco anos” e o segundo “toda a vida”. Não se arrepende “de nada”, mas aprendeu a nunca se “auto-avaliar” e tem por princípio “gozar cada dia como se fosse o último e todos os dias aproveitar bem ao máximo cada experiência, cada pessoa, cada situação”. Apesar desta vida cheia, não tenciona escrever as suas memórias nem sobre os primeiros-ministros com quem trabalhou, ou outros chefes de Estado ou de Governo de outros países (recado a Cavaco Silva). "O que passou, passou." Nem será comentador novamente. "Não fica bem a um Presidente; não é isso que se espera dele."

Na rua, a vender revistas

Seguir Marcelo Rebelo de Sousa nas ruas é como ver uma campanha eleitoral permanente. É impossível contar as selfies que tira com toda a gente, a toda a hora, os beijos e abraços que dá. Foi assim na escola, voltou a ser assim na rua, em Belém, sob um sol abrasador para Março.

Quase uma hora depois do previsto, o carro pará ao portão do palácio de Belém e Marcelo sai sob os gritos de um grupo de jovens alunos da Escola Básica António da Costa, de Almada, do outro lado da rua, como se fosse uma estrela de rock. Sara Severo conta ao PÚBLICO que tinham visitado o Museu da Presidência e lhes disseram que Marcelo estava quase a chegar. Decidiram fazer-lhe uma espera. Mais fotos e beijos.

Marcelo segue até à esplanada do Sabores de Belém com António Pias e José Barros, vendedores da Cais. Puxa dos montes com 50 revistas que pré-comprara e começa a entregá-las aos jovens que se aglomeram à volta. Encomendam o almoço frugal: uma baguete de queijo sem manteiga para o Presidente e de fiambre para os vendedores. O brinde é feito com Sumol de ananás e Fanta de laranja depois de limparem as mãos com os toalhetes que lhe enchem os bolsos.

Várias pessoas vão parando, incluindo uma mulher síria, que conseguiu chegar a Portugal com os três filhos mas o marido continua sem conseguir sair do seu país. “Ele tem que ir para a Grécia ou Turquia, já lhe disse”, insiste Marcelo, que já a recebeu antes. Depois haveria um "momento Monty Python" com um cidadão a abordá-lo para defender, longamente, uma linha de metro e uma estação no parque de Monsanto, e uma longa e inquiridora conversa com dois gémeos falsos de dez anos, vários autógrafos para senhoras nas revistas. Sempre com Marcelo a vestir o fato e a adaptar a conversa à situação.

É tempo de andar: Marcelo vende a revista a turistas alemães, na farmácia da rua e nos Pastéis de Belém (onde comeu um). E ainda a uma professora de Gouveia que lhe pediu uma foto. “Com uma condição: arranja dois euros para comprar a Cais.” No final, disse que terá vendido 30. Os vendedores agradecem e em Maio Marcelo será o director, dedicando a edição ao tema da juventude.

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