Antes de avançar para Raqqa, EUA têm de evitar guerra entre a Turquia e os curdos

Washington enviou 500 militares das forças especiais para os EUA. Dezenas deles são Rangers, colocados em Manbij com o objectivo de evitar confrontos entre milícias do YPG e forças leais a Ancara.

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Rodi Said/Reuters

Marines norte-americanos chegaram nos últimos dias ao Norte da Síria para reforçar o poder de fogo da ofensiva em preparação contra Raqqa, a capital de facto do Daesh. Mas, em simultâneo, Washington viu-se obrigado a enviar também forças especiais para evitar o desatar de um conflito entre dois aliados essenciais para o sucesso desta ofensiva – as milícias curdas que são a ponta de lança americana na guerra contra os jihadistas e a Turquia, que a todo o custo quer evitar que aquelas forças usem a operação para se apoderarem da zona junto à sua fronteira.

Um porta-voz da coligação internacional liderada pelos EUA confirmou o envio de Rangers do Exército para Manbij, dias depois de terem começado a circular fotografias de blindados encimados por bandeiras americanas a avançar em direcção àquela cidade, na margem ocidental do rio Eufrates. Situada numa localização estratégica entre Raqqa e o território turco, foi tomada em Agosto aos jihadistas pelas Forças Democráticas da Síria (SDF), uma coligação multiétnica mas que tem como principal componente as milícias curdas do YPG.

A Turquia, que encara as milícias como o braço sírio do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), exigiu a sua retirada da zona, de maioria árabe. Mas Washington não só não acatou a exigência, como tem vindo a atribuir um papel maior às forças curdas na operação lançada em Novembro para avançar sobre Raqqa – esta semana, as SDF cortaram a estrada que liga o bastião jihadista a Deir Ezzor, cidade junto à fronteira com o Iraque que é um importante ponto de ligação entre os territórios controlados pelo Daesh nos dois países.

“Esperamos que dentro de algumas semanas possamos ter cercado Raqqa”, disse o coronel John Dorrian, porta-voz da coligação liderada pelos EUA ao dar conta da chegada “nos últimos dias” de cerca de 400 militares norte-americanos. São Marines equipados com canhões de artilharia para apoiar a ofensiva contra Raqqa e os Rangers, numa missão destinada a “tranquilizar e dissuadir” tanto a Turquia como “os parceiros americanos na Síria”.

Questionado sobre a razão de uma presença americana tão visível na zona – tendo em conta a habitual discrição destas forças especiais – um porta-voz do Pentágono explicou ao Washington Post que a demonstração foi propositada. “Tínhamos que mostrar que estamos lá”, disse o capitão John Davis, sublinhando que o objectivo é convencer os dois aliados a “manterem-se focados no inimigo comum, que é o Daesh”.

Turquia quer participar 

O risco de uma confrontação subiu de tom nos últimos dias com notícias de combates nos arredores de Manbij entre as SDF e rebeldes árabes sírios apoiados pela Turquia. E o tabuleiro tornou-se ainda mais complexo com a notícia de que os curdos, oficialmente sem o consentimento americano, terão chegado a acordo com a Rússia para entregar ao Exército sírio um corredor ao longo do Eufrates até há pouco tempo em poder dos jihadistas, numa movimentação que os rebeldes apoiados por Ancara irão ver como mais uma prova da “traição curda”.

Neste contexto, a Turquia, que desde Agosto tem militares no Norte da Síria, insiste em participar na ofensiva em preparação contra Raqqa e tem elevado a pressão sobre Washington. Terça-feira, o primeiro-ministro, Binali Yildirim, considerou “lamentável” que os EUA tenham preferido coligar-se com os curdos a alinhar-se com um dos seus principais parceiros na NATO; o ministro dos Negócios Estrangeiros, Mevlut Cavusoglu, assegurou que as tropas turcas enviadas para o Norte da Síria não vão aceitar que o YPG acantone em Manbij: “Se lá entrarmos e eles lá estiverem vamos atacá-los”.

O Pentágono admite incluir Ancara na ofensiva e nos últimos dias os chefes militares dos dois países estiveram reunidos com o seu homólogo russo, que tem em curso operações autónomas contra os jihadistas, para discutir hipóteses de cooperação. Mas os EUA não se mostram dispostos a prescindir do apoio no terreno das milícias curdas. E estas rejeitam ser colocadas de parte em detrimento da Turquia, que classificam como “força de ocupação”.

Questionado por John McCain, o senador do Arizona que esta semana esteve na região, sobre o potencial de uma guerra aberta entre curdos e turcos na Síria, o general Joseph Votel, comandante das forças norte-americanas no Médio Oriente, foi peremptório: “É por causa disso que estamos a adoptar medidas para o evitar”, afirmou

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