Dados de 2800 milhões para offshores só chegaram ao fisco em 2016

Há três declarações comunicadas pelos bancos que concentram 80% do valor enviado para offshores até há pouco desconhecido do fisco. Administração fiscal ainda não tem explicação para as falhas no processamento dos dados.

Foto
Helena Borges (à esquerda na foto) foi ouvida no Parlamento nesta terça-feira à tarde LUSA/MANUEL DE ALMEIDA

Quando, na tarde desta terça-feira, os deputados começaram a ouvir as explicações da directora-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) sobre o caso das transferências para offshores que passaram ao lado do controlo do fisco por falhas no processamento dos dados recebidos pelos bancos, Helena Borges mandou entregar um documento de duas páginas, com o carimbo do gabinete do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, onde se pode ver em que momento é que foram entregues ao fisco as 20 declarações referentes aos quase 10.000 milhões de euros de transferências desconhecidas dos inspectores tributários até há pouco tempo.

Os dados confirmam que a diferença de valores é de 9800 milhões de euros, mas com a nova informação partilhada com os deputados ficou a saber-se que, deste desvio, 2863 milhões de euros resultam de quatro declarações entregues ao fisco apenas em 2016.

Duas dessas declarações, na ordem de 70 milhões de euros, correspondem a documentos que apenas foram enviados pelas instituições financeiras à AT em Maio e Junho do ano passado, ou seja, com quase um ano de atraso, porque a lei obrigava que os dados tivessem sido enviados até Julho de 2015.

As outras duas dizem respeito a declarações de substituição, nas quais as instituições financeiras corrigiram os valores de um conjunto de transferências realizadas em 2012 e 2013. E nestas declarações há uma que se destaca pela diferença dos montantes: se nos primeiros dados o fisco tinha registado que os fundos enviados para offshores a partir dessa instituição totalizavam 177,4 milhões de euros, o valor mais recente, já depois de entregue a declaração de substituição, ascende a 2959 milhões de euros, o que significa uma diferença de quase 2800 milhões.

À parte destas declarações que chegaram ao fisco ou foram corrigidas apenas em 2016, há transferências de 6939 milhões de 2011 a 2014 que foram mal processadas, porque a informação enviada pelos bancos ao fisco não passou para o sistema central, algo que está a ser alvo de uma auditoria da Inspecção-geral de Finanças (IGF).

A maior parte dessas declarações foi entregue em 2015 (e refere-se a fluxos realizados em 2014). E nesse grupo há uma declaração (correspondente a uma instituição financeira) cujo valor não transmitido informaticamente para o sistema central soma 2000 milhões de euros. Em relação a 2013 passou-se o mesmo: uma só declaração concentra transferências omissas de 2960 milhões de euros.

A referência ao BES

Os desvios destas duas declarações de 2013 e 2014, mais a declaração de substituição entregue em 2016 (mas referente a movimentos de 2012), valem juntos 7757 milhões de euros. E foi a concentração de um valor desta dimensão que levou o deputado do PS Eurico Brilhante Dias a constatar, na audição desta terça-feira, que 80% do valor global dos movimentos desconhecidos do fisco estão concentrados em apenas três das 20 declarações.

Como os anos das transferências são distintos, não se sabe se elas correspondem, ou não, à mesma entidade financeira obrigada a enviar a Declaração Modelo 38 de forma electrónica através de ficheiros XML.

Se na semana passada Brilhante Dias perguntou ao actual secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade, se havia uma concentração em instituições financeiras e ficou sem resposta, agora foi o próprio deputado a deixar no ar uma ligação entre o caso dos offshores e a derrocada do Grupo Espírito Santo, com a queda do BES no Verão de 2014.

A directora-geral do fisco tinha sido pouco antes questionada por outro deputado socialista, Fernando Anastácio, se havia uma concentração de transferências ocultas para um determinado paraíso fiscal. Helena Borges não quis desenvolver o tema e referiu, antes, que as transferências partiram muitas delas de “empresas não residentes – e isso talvez seja um elemento relevante”.

Foi então a partir desse apontamento que Eurico Brilhante Dias especulou que havia entidades do universo Espírito Santo classificadas como não residentes e com sede no Luxemburgo. “É uma presunção…”, suavizou, ventilando uma ligação entre factos, mas esclarecendo que não tem nenhuma informação que o confirme.

Os automatismos

Se há uma concentração em determinadas instituições financeiras, Helena Borges também não a explicitou, tal como fizera o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. “Essa informação será oportunamente avaliada no âmbito do relatório da IGF”, afirmou. “Estou naturalmente mais preocupada em perceber o que é que [levou à retenção temporária da informação na AT]”, contrapôs a directora-geral.

Explicação interna para o que se passou ainda não existe. “Não temos evidência nenhuma do que é que pode ter provocado esta anomalia”, afirmou, sublinhando que é preciso esperar pelos resultados da IGF, que deverá concluir a auditoria este mês.

Questionada pelo deputado do PSD António Amaro Leitão se a AT tem evidência de que uma eventual intervenção humana possa ter ditado o não tratamento da informação, Helena Borges disse não ter qualquer indicação de que isso aconteceu. E também deixou claro que não recebeu orientação política para que a AT parasse o tratamento e a fiscalização das transferências para offshores.

Aos deputados, Borges confirmou ainda que só a área dos Sistemas de Informação lida com os dados de origem recebidos pelos bancos, cabendo-lhe fazer o processamento da informação para a enviar para o sistema central a que as áreas de inspecção têm acesso.

A informática esteve sem subdirector-geral entre 30 de Junho de 2014 (quando se aposentou a dirigente então responsável, Ana Morais) e 7 de Março de 2016 (quando foi nomeado o actual responsável pela informática, Mário Campos, já pelo actual Governo). Durante esse período, e embora tenha sido lançado e concluído um concurso de recrutamento do subdirector, a nomeação nunca aconteceu. O cargo de subdirector continuou vazio, enquanto a área da informática era coordenada de forma informal por Graciosa Delgado. com Liliana Valente

Sugerir correcção
Comentar