Ministra da Justiça quer "estratégia integrada" na prevenção de femicídios

Francisca Van Dunem recorda que muitos dos casos de homicídio de mulheres são precedidos por um histórico de violência doméstica.

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"Em Portugal, as estatísticas permitem verificar uma forte prevalência do sexo masculino do lado dos autores e do sexo feminino do lado das vítimas de crimes de violência doméstica", afirmou a ministra Enric Vives-Rubio

A ministra da Justiça defendeu esta terça-feira a necessidade de haver uma "estratégia integrada" no domínio da prevenção e controlo do fenómeno de violência contra a mulher em razão do género.

"Cada vez mais, precisamos de abordagens e estratégias integradas, que não nos tornem reféns nem de percepções meramente corporativas nem de voluntarismos", disse Francisca Van Dunem, na abertura do seminário Homicídio, femicídio e stalking no contexto das relações de intimidade; contributos para o estudo da realidade portuguesa, a decorrer na Escola de Polícia Judiciária, em Loures.

A ministra salientou a importância de um estudo divulgado no seminário que, entre outros pontos, assinala que em 43 casos de femicídio (homicídio de mulheres), cometidos entre 2010 e 2015, na zona da Grande Lisboa, 46,4% das vítimas já tinham apresentado queixa por violência doméstica.

Francisca Van Dunem observou que, segundo dados do Relatório Anual de Segurança Interna (RASI), os homicídios conjugais atingiram em 2015 uma significante percentagem de 37% dos homicídios em geral.

"Segundo dados da UMAR, naquele mesmo ano registaram-se 29 femicídios e 39 tentativas de femicídio", adiantou a ministra, referindo-se aos dados do Observatório de Mulheres Assassinadas da União de Mulheres Alternativa e Resposta.

Disse ainda que hoje "é pacífico" o entendimento que grande número de agressões contra as mulheres em contexto doméstico ocorre justamente quando elas decidem pôr fim à relação, ou quando ousam manifestar pontos de vista contrários aos dos seus maridos e companheiros.

"Em Portugal, as estatísticas (...) podem não coincidir nos números, mas todas elas permitem verificar uma forte prevalência do sexo masculino do lado dos autores e do sexo feminino do lado das vítimas de crimes de violência doméstica", afirmou a ministra.

Ameaças de morte e stalking

A expressão femicídio, utilizada desde a década de 70, resultou da demonstração da natureza sexista da criminalidade letal contra a mulher nas relações de intimidade, desmistificando a aparente neutralidade dogmática do termo homicídio, conforme recordou esta terça-feira a ministra.

O Director Nacional da PJ, Almeida Rodrigues, explicou que a tipologia do crime em análise é, em regra, de fácil investigação, ocorrendo frequentemente em contexto familiar, sendo cometido por "pessoas conhecidas", frequentemente num contexto de "perturbação emocional", onde o autor "não se rodeia de especiais cuidados" na prática dos crimes.

"Daí que a identificação do autor e a recolha de elementos probatórios se revele de grande simplicidade", explicou Almeida Rodrigues, revelando que em um terço dos casos o autor do crime se suicida depois de ter cometido o crime, o que provoca a extinção do procedimento criminal.

Entretanto, a equipa que analisou os processos relacionados com a criminalidade em causa, coordenada pela investigadora Cristina Soeiro (PJ), verificou que 61,1% dos casos de femicídio apresentavam um histórico de violência.

Em 75% dos casos houve co-existência de várias formas de violência e muitas vezes de uma violência extrema (64,7% dos casos de violência física).

Quanto à prevalência de formas de violência associadas a um risco elevado de femicídio, a análise detectou situações que vão desde ameaças de morte, por vezes com recurso a armas, até ameaças de morte a familiares, frequentemente acompanhadas por ameaças de suicídio, bem como situações de stalking e comportamentos controladores do agressor na vida social e profissional.

Relativamente aos factores de risco que explicam os casos de femicídio, o estudo indica a separação (período especialmente perigoso, sobretudo os primeiros meses subsequentes), a motivação (ciúmes intensos e suspeição por parte do agressor de infidelidade da mulher), abuso de substâncias psicotrópicas, acesso do agressor a armas de fogo e antecedentes criminais.