Bloco acusa câmara de Lisboa de mau negócio em permuta de prédios
Um casal comprou um prédio na 24 de Julho para fazer um hotel, mas o Museu de Arte Antiga vai expandir-se para ali. Para resolver a situação, a autarquia quer trocar este edifício por um outro muito mais valioso.
A Câmara de Lisboa quer trocar um edifício municipal da rua que dá acesso ao Hospital de São José por um prédio particular na Avenida 24 de Julho. A proposta, que vai ser discutida terça-feira na reunião da assembleia municipal, é justificada pela autarquia com a necessidade de ampliar o Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), que fica paredes meias com o imóvel com que o município quer ficar.
A operação “é lesiva para as contas públicas”, critica Ricardo Robles, deputado municipal e candidato às autárquicas pelo Bloco de Esquerda, que aponta várias falhas ao processo.
O prédio do número 108 da Avenida 24 de Julho foi comprado em Abril de 2014 por um casal que pretendia ali instalar um hotel de quatro estrelas. Só o fizeram, segundo contaram ao PÚBLICO em 2015, depois de terem falado com a câmara e desta terem obtido indicações de que seria possível abrir ali a unidade hoteleira. Porém, quase um ano e meio depois de terem formalizado a intenção junto da autarquia, o director municipal de Planeamento, Reabilitação e Gestão Urbanística determinou que o projecto do hotel devia ficar em suspenso porque estava a ser elaborado um Plano de Pormenor de Reabilitação Urbana das Janelas Verdes, em cuja área o prédio se inseria.
Entretanto, em Julho de 2015, a Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) informou oficialmente a autarquia de que queria fazer crescer o MNAA. “A solução pretendida pela DGPC passará pela ampliação do museu com ligação à Avenida 24 de Julho, criando novos acessos, locais de acolhimento e circulação, áreas comerciais e de serviços”, lê-se na proposta que a câmara vai levar à assembleia municipal. Ficou assim inviabilizada a criação de um hotel naquele local, o que originou esta proposta de permuta.
A câmara definiu, baseando-se em cinco avaliações distintas, que o imóvel da 24 de Julho tem um valor de mercado de 857.500 euros. E, por isso, decidiu dar em troca um prédio na Rua Arco da Graça, que sobe do Largo de São Domingos para o Hospital de São José, nas traseiras do Martim Moniz. Este imóvel está avaliado em 860 mil euros.
Para Ricardo Robles estes valores são “uma sobrevalorização abusiva” que lesa o património municipal porque as avaliações em que a câmara se baseia para definir o valor de mercado do edifício da 24 de Julho foram feitas, entre Setembro de 2015 e Fevereiro de 2016, com base no pressuposto de que poderia ser instalado ali um hotel de quatro estrelas. Isto apesar de essa hipótese estar afastada desde o Verão de 2015.
“É um valor construído”, critica o deputado do Bloco, para quem o imóvel “vale uma ruína, não vale um hotel de quatro estrelas”. Ricardo Robles considera que esta operação, com estes valores, “é uma tentativa da câmara de compensar a proprietária por uma asneira que não devia ter feito”.
Além de, segundo o casal dono do prédio, ter dado a entender que o hotel seria aprovado, a câmara foi convidada a comprar o imóvel em Abril de 2014 por 160 mil euros. Isso mesmo é referido por Manuel Salgado numa carta enviada a Robles em resposta a dúvidas colocadas pelo bloquista a meio de Fevereiro. Nesse documento, o vereador do Urbanismo assume que “a questão da ampliação” do MNAA “tem vindo a ser tratada há já vários anos, sensivelmente desde 2010/11, a título exploratório”.
Quando foi contactada para adquirir o prédio em 2014, a autarquia recusou porque “não era conhecida razão que o justificasse”. E, escreve Manuel Salgado, o facto de a DGPC também não ter comprado o imóvel “revela que, à data, o Ministério da Cultura não tinha ainda, formal e explicitamente, decidido ampliar o museu”. Isso só veio a acontecer em Julho de 2015.
Mas esta explicação não convence Ricardo Robles. “Toda a gente sabia, incluindo a câmara, que o museu se ia expandir para a 24 de Julho”, diz. O deputado do Bloco refere não só o facto de o tema estar a ser discutido “desde 2010/11”, como lembra também uma exposição de possíveis projectos para a ampliação do MNAA, elaborados por alunos de Arquitectura do Técnico, que decorreu em Maio de 2014.
Por isso, para Robles, “a câmara tinha obrigação de exercer direito de preferência” sobre o edifício, que entre 2014 e 2017 passou de um valor de 160 mil euros para perto de 860 mil – sem que tenha deixado de ser um prédio devoluto e degradado. “A câmara está metida numa grande alhada”, conclui o bloquista, que promete não dar descanso a Fernando Medina sobre este tema na próxima terça-feira.