Trump confia nas armas para mudar a América
O Presidente vai discursar pela primeira vez esta terça-feira no Congresso e as linhas gerais da sua proposta de orçamento mostram que a defesa e a segurança nacional são as prioridades.
Donald Trump continua a comportar-se mais como um candidato presidencial que não pára de distribuir promessas, do que como o responsável máximo de uma Administração que precisa de fazer as coisas acontecer. Ao fim de um mês de mandato, em que muito pouco ou quase nada lhe correu de feição, o Presidente dos Estados Unidos espera, no seu primeiro discurso perante o Congresso, nesta terça-feira, contrariar essa ideia com a apresentação de planos e políticas que provam que é um “homem de acção” preparado para mudar o país.
Os decretos presidenciais e directivas administrativas que Trump assinou até agora não produziram resultados a não ser polémica e contestação. Mas nenhum Presidente pode governar unilateralmente durante quatro anos – e desde que tomou posse, Trump não assinou nenhuma lei nem enviou nenhuma proposta ao Congresso para fazer avançar a sua promessa de revogar o programa de saúde conhecido como Obamacare (e toda a restante herança do anterior Presidente). Nem para rever a política fiscal para cortar nos impostos e na regulação, ou aprovar um programa de infra-estruturas – além da construção do polémico muro na fronteira com o México.
Esta segunda-feira, o Presidente deu um primeiro sinal de alguma exasperação, tanto com a sua equipa como com os seus aliados republicanos no Congresso, ao queixar-se da “incrível complexidade” do programa Obamacare, que se está a revelar cada vez mais popular junto da opinião pública. “Ninguém sabia que o sistema de saúde pudesse ser tão complicado”, lamentou Donald Trump depois de uma reunião com os governadores, ansiosos com os custos políticos de acabar com o programa sem uma boa alternativa.
“As pessoas até podem dizer que gostam, só que não há nada para gostar neste programa, que é um desastre. E nós já encontramos uma solução que é muito muito boa, mesmo muito boa”, frisou o Presidente, sem esclarecer quem é este “nós”, nem explicar em que consiste. Mas reuniu-se depois com as principais seguradoras. “Amanhã vou falar disso, e penso que todos vão gostar do que tenho para dizer. O resultado vai ser excelente”, garantiu.
"Um exército melhor"
Os discursos do Presidente perante as duas câmaras do Congresso têm sempre dois destinatários: o público em geral, a quem o Presidente tem oportunidade de se dirigir sem intermediários, e os legisladores das duas câmaras. No caso de Trump, além de tentar corrigir a sua mensagem inaugural aos norte-americanos, assente numa visão apocalíptica da realidade do país e enunciada num tom combativo e divisivo, a tarefa passa por dominar o nervosismo e apreensão da sua própria bancada republicana, que começa a evidenciar brechas perante a sucessão de gaffes e polémicas da Administração.
Apesar de manter o suspense quanto às suas ideias e políticas concretas, a Casa Branca aproveitou a véspera do discurso para dar a conhecer as linhas gerais da sua proposta de orçamento, cozinhada com todos os condimentos necessários para satisfazer a sua base eleitoral e os seus aliados republicanos do Congresso.
Depois de ter levado a audiência da conferência de acção política conservadora (CPAC) ao rubro, na semana passada, com a promessa de “um Exército maior, melhor e mais forte do que nunca”, o Presidente avançou com reforço de quase 10% das verbas destinadas ao Pentágono, que poderá receber mais 54 mil milhões de dólares (51 mil milhões de euros). “É um aumento histórico na despesa da Defesa, para reconstruir o depauperado aparelho militar dos EUA na altura em que mais precisa”, congratulou-se.
Além do Pentágono, o Presidente pretende aumentar o orçamento dos departamentos de Segurança Interna e Justiça, para poder reforçar os meios das forças policiais ou agências de protecção das fronteiras e alfândegas e imigração. O objectivo foi enunciado por Trump para o aplauso geral na CPAC: “Ninguém se vai querer meter connosco!”. A contrapartida orçamental desta acção musculosa de defesa e segurança é a redução significativa das transferências para os programas discricionários considerados de “baixa prioridade”. “Será dólar por dólar”, assegurou um porta-voz, antecipando cortes drásticos no financiamento do Departamento de Estado, da Agência de Protecção Ambiental, e até, possivelmente, a eliminação dos subsídios de compensação pela pobreza (como os famosos food stamps) ou de apoio às Artes e Humanidades.
Direcção perigosa
Mas a proposta orçamental de Trump só deverá acentuar as dúvidas de uma boa parte da bancada conservadora, e sobretudo do speaker Paul Ryan, que dificilmente subscreverá um documento que não preveja uma redução da dívida pública de quase 20 milhões de milhões de dólares nem contemple cortes nos chamados entitlements – isto é, os programas de Segurança Social, ou de Saúde (principalmente o Medicare), que absorvem 2,4 milhões de milhões da despesa pública e que o Presidente pretende deixar inalterados.
A Administração – que aparentemente projecta um crescimento económico de 2,4% para 2017, acima da média de 1,6% dos anos Obama mas abaixo da promessa de 4 a 6% feita na campanha –, acredita que com o acréscimo da produção e do investimento, e os cortes da despesa discricionária, conseguirá equilibrar a balança e manter o défice sob controlo.
Além dos republicanos, também os americanos “estão nervosos” com o Presidente Donald Trump, assinalou o colunista conservador Juan Williams, que escreveu sobre inusitada (e delicada) situação em que se encontra a maioria do Congresso, que se empenhou em travar a agenda de Obama. “Cabe-lhe agora a responsabilidade de vigiar o Presidente e impedir que conduza o país numa direcção perigosa”, observou.
O grau descontentamento e insatisfação com o desempenho de Trump na Casa Branca bate todos os recordes históricos desde a sua tomada de posse – depois de um mês de mandato, a taxa de aprovação do Presidente continua em território negativo, nos 44% segundo os números ontem divulgados pela NBC News/Wall Street Journal. Além disso, 66% dos americanos dizem-se “preocupados” com a possibilidade de Donald Trump iniciar uma nova guerra.