Tomada, de Filipe Catto, joga com a electricidade e a ideia de apropriação
O sucessor do aplaudido Fôlego é agora apresentado em Portugal pelo cantor e compositor gaúcho. São três concertos, esta semana.
Tinha 24 anos quando lançou Fôlego e o nome desse seu disco de estreia aplicou-se literalmente à realidade: cinco anos na estrada, sem perder o fôlego ou a inspiração. Agora, aos 29 anos, o cantor e compositor brasileiro Filipe Catto regressa com novo disco, onde as guitarras eléctricas têm primazia e onde procura ajustar o passo com os músicos da sua idade. “Senti que precisava de me aproximar da minha geração”, diz. “Eu venho de uma escola, de uma parada, de rock de Porto Alegre e quis trazer isso de volta neste disco. Não só isso: queria novos compositores, ritmos que eu nunca tinha experimentado. E, ao mesmo tempo, dentro da minha composição, quis fazer uma coisa mais abrangente, mais simples mas que não perdesse a marca de música de cantor.” Isso resultou num disco a que chamou Tomada. “Eu queria que fosse uma brincadeira com a tomada da electricidade mas que também jogasse com a ideia de apropriação.”
Nascido no Estado do Rio Grande do Sul, em Lajeado, a 26 de Setembro de 1987, dono de uma voz de contratenor que lembra a de Ney Matogrosso, Filipe foi criado em Porto Alegre sob influência dos pais, ele músico, ela comerciante com gosto pela música. E isso marcou o início da sua carreira. “Em Porto Alegre eu sempre fui muito sozinho, não tinha grupo. Mas quando cheguei a São Paulo [onde vive], precisei deixar que a cidade me contaminasse. O Tomada é isso: é o momento em que eu deixei as pessoas entrarem e contribuírem para o meu trabalho. E isso melhorou muito a minha vida.”
O título do disco já estava na sua cabeça, mas foi só quando pediu um tema a Marina Lima, uma das suas maiores influências, é que ele começou a fazer sentido. “Ela é cada vez mais uma grande inspiração. Ensinou-me muito. Quando fui ouvi-la, disse-me que gostava de me ver cantar alguma coisa expansiva, não necessariamente alegre mas vital. Aí perguntei se ela não tinha alguma música antiga que eu pudesse regravar e ela me deu uma inédita [Partiu], um choque! Foi aí que eu entendi o nome do disco.”
"Minado pela corrupção"
Em Tomada, com produção de Kassin, ele canta temas seus, parcerias, recriações (Do fundo do coração, do grupo Gang 90 & The Absurdettes, ou Canção e silêncio, do pernambucano Zé Manoel) e inéditos alheios, como Um milhão de novas palavras, que reflecte a situação no Brasil. “Gosto muito do trabalho do Fernando Temporão [carioca, autor do tema] e quando fui seleccionar compositores para o disco contactei-o. E ele tinha essa música acabada de fazer. Na época, não era ainda a situação do impeachment mas toda essa coisa da direita extremamente reaccionária e principalmente da bancada evangélica no Brasil, que estava muito ameaçadora para a gente, esse fascismo.” Filipe quis gravá-la, imediatamente. “Porque trazia um discurso que ainda não estava no disco e era fundamental que estivesse. Chorei muito, gravando essa música. Foi muito forte.”
Nos espectáculos, que começaram no final de 2015, gritava-se “Fora Temer!” “Era o que a gente falava. Havia uma resistência muito grande. As pessoas uniram-se, mas não por uma questão partidária. A Dilma já não devia ter sido reeleita, ela não estava a fazer um bom trabalho, o PT jogou sujo na eleição.” Filipe Catto diz que o PT não fez reformas políticas quando devia e aponta o dedo ao sistema. “A gente não consegue viver mais nesse sistema político, com o Brasil está inteiramente minado pela corrupção.” Saídas? “Tenho muita fé em que isso vai mudar. Mas não consigo ver nenhuma mudança que não passe pela destruição completa desse sistema corrupto. São quinhentos anos!”
Em Portugal, onde já actuou algumas vezes, Filipe Catto será acompanhado por um trio de músicos portugueses: Alexandre Bernardo (guitarra), Vasco Moura (baixo) e Pedro Gerardo (bateria). Dia 2 de Março em Lisboa, no Estúdio Time Out (22h), dia 3 no Centro Cultural de Ílhavo (21h30) e dia 4 no Theatro Circo, em Braga (21h30).