Desta vez, até para a extrema-direita Milo Yiannopoulos foi longe demais
Declarações antigas a defender pedofilia foram recuperadas, levando-o a demitir-se do Breitbart News onde era editor. Contrato milionário com editora também cai após cancelamento de participação em conferência com Trump e Pence.
Acabou-se o namoro da direita norte-americana com a estrela da alt right Milo Yiannopoulos. Desta vez, o teor das afirmações do polémico colunista britânico em relação à normalização e aceitação do abuso de menores custaram-lhe um negócio milionário com uma editora para a publicação do seu livro, levaram-no a apresentar a demissão do Breitbart News, onde era editor, e valeram críticas da ala mais conservadora da política norte-americana, que até agora tinha dado carta branca às posições discriminatórias do editor do site Breitbart News sob o pretexto da liberdade de expressão. As declarações polémicas constam de uma gravação de um vídeo de live-streaming que circulou durante este fim-de-semana.
Nas imagens gravadas durante uma emissão do podcast Drunken Peasants, Yiannopoulos relativiza os crimes de pedofilia e expressa aprovação sobre as relações sexuais entre rapazes de 13 anos e homens mais velhos, que considera poderem ser “ experiências tremendamente positivas”. "Ajuda os rapazes a descobrir quem são e dá-lhes segurança, uma relação com um amor e um tipo de estabilidade que eles não têm com os pais”, defende Yiannopoulos. E falando sobre os escândalos de abuso de menores na Igreja Católica nos Estados Unidos, o polemista graceja e responde que foi graças a um padre que melhorou as suas técnicas de sexo oral.
"Pedofilia não é a atracção sexual em relação a alguém com 13 anos que é sexualmente maturo. Pedofilia é a atracção por crianças que ainda não atingiram a puberdade", continua, discutindo "a noção de consentimento" como "opressiva" e afirmando que “a idade de consentimento não é uma questão de preto no branco”.
Esta segunda-feira, a editora Simon & Schuster e a sua marca editorial Threshold Editions anunciaram que, “depois de uma ponderação cuidadosa”, decidiu cancelar publicação do livro: Dangerous (Perigoso), uma obra autobiográfica de Yiannopoulos que tinha data prevista de chegada às bancas para 13 de Junho, e pela qual autor teria recebido adiantadamente 250 mil dólares (cerca de 236 mil euros) no final de 2016, escreve o Guardian. Esta terça-feira, uma pesquisa do título do livro na loja online Amazon conduzia a um endereço não disponível, deixando por isso de ser possível reservar a compra da obra.
Antes disso já tinha sido retirado o convite para participar na Conferência da Acção Política Conservadora (Conservative Political Action Conference) que lhe tinha sido feito pelo actual líder da União Conservadora Norte-Americana, Matt Schlapp. O responsável pela organização considerou que os esclarecimentos que Yiannopoulos prestou através do Facebook sobre a sua defesa da pedofilia foram "insuficientes".
"Devido à publicação de um vídeo ofensivo nas últimas 24 horas aprovando a pedofilia, a União Conservadora Norte-Americana decidiu rescindir o convite", explicou Schlapp, rejeitando a presença de Yiannopoulos no evento que contará com o Presidente e o vice-presidente dos EUA, Donald Trump e Mike Pence.
"Continuamos a pensar que a CPAC é um fórum construtivo para controvérsias e desacordos entre os conservadores, mas entre nós não há discórdia sobre os males do abuso sexual de crianças", acrescentou.
"@ACUConservative has decided to rescind the invitation of Milo Yiannopoulos to speak at #CPAC2017." pic.twitter.com/sVWGnPCW7C
— Matt Schlapp (@mschlapp) February 20, 2017
Na sua página de Facebook, Milo Yiannopoulos começa por lembrar aos leitores que é homossexual e que também foi vítima de abuso sexual quando era menor, sublinhando o seu “repúdio por adultos que abusam sexualmente de menores”. Reconhece, no entanto, que o vídeo que circula desde o fim-de-semana mostra uma mensagem diferente, e atribuí ao seu “sarcasmo britânico e tom de humor provocatório”, os mal-entendidos. Acrescenta que as pessoas “lidam de formas diferentes com o seu passado”.
Reconhece que a escolha das suas palavras “não foi a melhor”. Ainda assim, esta publicação segue uma anterior que, no ponto seis, reitera que “relações entre jovens e homens mais velhos podem ajudar um jovem gay a encontrar o apoio e entendimento que não encontram em casa".
"Isto é perfeitamente verdade e todos os gays o sabem. Mas não estava a falar de nada ilegal nem me referia a rapazes pré-adolescentes”, escreve. “Já passei por pior. Isto não me vai derrotar”, assevera.
Esta não é a primeira vez em tempos recentes que a presença de Milo num evento é cancelada. No início do mês, a Universidade da Califórnia em Berkeley cancelou a palestra onde Yiannopoulos iria falar depois de um protesto de centenas de alunos, que degenerou em episódios de vandalismo.
Nessa altura, Robert Reich, professor da universidade e secretário do Trabalho de Bill Clinton, contava à CNN que tinha estado presente nos protestos e que acreditava que as acções mais violentas tinham sido executadas por membros da extrema-direita, exteriores à universidade, que apoiam o editor do Breitbart News e que queriam espalhar o caos no campus.
Quando soube do cancelamento da presença de Yiannopoulos, Donald Trump chegou mesmo a ameaçar cortar o financiamento da universidade, alegando tratar-se de um atentado à liberdade de expressão.
Quem é o "o supervilão mais fabuloso da Internet”?
“Devoto” apoiante de Donald Trump, a quem chama de “papá”, Milo Yiannopoulos é tudo menos alguém fácil de entender. O escritor britânico de 33 anos, editor do site Breitbart News, é um nome cada vez mais conhecido pelas suas polémicas (e confusas) declarações. Homossexual assumido, judeu filho de pai grego e mãe britânica, Yiannopoulos assume-se como "ultra-conservador" e surpreende pelo seu discurso preconceituoso, patriarcal, racista, sexista, misógino e de ódio.
Apesar de expressar a sua preferência sexual por homens negros, o “privilégio” termina na cama e rapidamente encontramos comentários e acções que celebram a supremacia branca. Foi expulso definitivamente do Twitter por incentivar ataques a uma actriz afro-americana - Leslie Jones, da nova versão de Ghostbusters - e criou de uma bolsa de estudo reservada exclusivamente a homens caucasianos, a Privelege Grant. Yiannopoulos considera o Black Lives Matter um movimento “extremista” e é um forte crítico grupos feministas e LGBT. Afirma que “agarrar as partes privadas de uma mulher não é abuso sexual”, mas sim “uma forma de as mulheres dizerem que alguém expressou interesse sexual nelas”, citando exemplos de histórias de abusos sexuais em universidades e diz que “as mulheres deviam aceitar ser apalpadas e não fazer queixa, tentando destruir a reputação dos rapazes”.
Na sexta-feira, por exemplo, no programa da HBO Real Time With Bill Maher, Yiannopoulos disse que o feminismo era “uma doença” e que as pessoas transgénero eram “o equivalente a sociopatas”, num discurso analisado pelo Huffington Post e que rebate as afirmações de Yiannopoulos com números que provam a sua falsidade.
Autor de textos como “Pílulas contraceptivas tornam as mulheres feias e loucas” ou “Preferia que o seu filho tivesse feminismo ou cancro?”, escreveu ainda um “guia para a alt-right”, uma designação nova para um movimento velho: a extrema-direita.
Nos seus discursos e publicações - que ganham voz no Breitbart News (site até há pouco tempo era liderado pelo actual conselheiro-chefe da Casa Branca, Stephen Bannon), Yiannopoulos advoga que as mulheres que tomam a pílula ameaçam a masculinidade dos homens, destroem a instituição do casamento, causam o divórcio e defende o fim de métodos contraceptivos para “combater o crescimento da população muçulmana”. Diz ainda que as mulheres “estão mais deprimidas” desde que passaram a integrar o mercado de trabalho, “mas não têm coragem de se suicidar”. Acrescenta ainda que “a luta pela igualdade de géneros é absurda” e “não, as mulheres não podem ter tudo”, sendo que o “tudo” são os mesmos direitos que os homens.
“No Ocidente, as mulheres começam a aparecer em posições de domínio nos media, artes, na área académica, na política, é só escolher”, critica. O resultado? “Os melhores astrofísicos, matemáticos, filósofos, compositores e jogadores de xadrez irão desaparecer”, uma vez que, acrescenta, “os homens são igualmente felizes a jogar um videojogo ou a resolver enigmas do Universo e vão optar pelo entretenimento se não estiverem interessados em impressionar uma mulher”, acredita.
Ainda assim, acredita que tal não irá acontecer “porque o QI das mulheres é inferior” e “se a civilização caísse nas mãos das mulheres ainda viveríamos em casas de palha”.
O dia terminou com o pedido de demissão por parte de Milo Yiannopoulos do Breitbart News: "Estaria errado ao permitir a minha má escolha de palavras desvalorizar o importante trabalho dos meus colegas", justificou em comunicado.