Queixa à justiça tenta travar projecto de Souto de Moura para a Praça das Flores
Signatários de uma petição pedem a Fernando Medina que a câmara municipal "coloque o interesse público acima dos interesses privados" e questionam a "objectividade" da aplicação do Plano Director Municipal quando os arquitectos são famosos.
Uma lisboeta decidiu lançar uma petição online para tentar travar a demolição de um prédio na Praça das Flores, entre a Rua de São Bento e o Príncipe Real, para onde está previsto um edifício projectado por Souto de Moura. Além disso, Mariana Villas-Boas já enviou queixas ao Ministério Público, ao Provedor de Justiça e à Ordem dos Arquitectos por considerar que a Câmara Municipal de Lisboa está a violar o Plano Director Municipal (PDM).
A aprovação do projecto de Souto de Moura – cinco pisos com fachada em ferro, vidro e alumínio – não foi consensual entre os serviços da câmara, tal como o PÚBLICO noticiou há um ano. Ao contrário do que sustenta o projectista na memória descritiva, os técnicos do Departamento de Projectos Estruturantes consideraram que a proposta não tem “qualquer relação com a linguagem arquitectónica dos edifícios confinantes” e que o prédio a demolir “possui características arquitectónicas com relevância”. Esse não foi, no entanto, o entendimento do director municipal do Urbanismo e do vereador com o pelouro, Manuel Salgado.
Na petição, apoiada pelo Fórum Cidadania Lisboa, os signatários afirmam que a demolição do edifício existente constitui uma “perda de identidade” da zona, que é “uma das praças mais emblemáticas da cidade”. Acrescentam que o projecto de Souto de Moura “prejudica fortemente a imagem da Praça das Flores” e pedem ao presidente da câmara, Fernando Medina, que “coloque o interesse público acima dos interesses privados”.
A petição também lança suspeitas sobre a “objectividade de aplicação do PDM” por parte da autarquia, ao referir que “entre a lista de projectistas dos novos edifícios a construir implicando demolições que dificilmente se enquadram na lei é notória a preponderância de arquitectos de renome”.
A autora da petição e das queixas, Mariana Villas-Boas, não tem dúvidas. Esta obra, “sendo assinada por qualquer outro arquitecto, não seria permitida pela câmara municipal”, diz ao PÚBLICO. A lisboeta, que não mora longe da Praça das Flores e por lá passa grande parte dos dias, diz-se incrédula. “Eu não quero ver o cenário encantador em que vivo ser destruído por motivos que não se entendem bem.”
Por isso mesmo enviou queixas a Maria José Morgado, procuradora-geral distrital de Lisboa, a Luís Vassalo Rosa, Provedor da Arquitectura, e a José de Faria Costa, Provedor de Justiça. A todos pede que se pronunciem sobre este caso concreto, mas requer também que “sejam investigados os processos” que “têm vindo a lesar o património e a identidade da cidade”.
“Como é que é possível que um PDM se aplique com rigor a uns, aos cidadãos anónimos, e a outros, os galardoados, tudo é permitido?”, questiona Mariana Villas-Boas, que acusa a câmara de “agir em perfeita desarmonia” com o disposto no artigo 45º do PDM.
Esse artigo é o que estabelece as condicionantes para que uma demolição seja aprovada. Tal operação admite-se, entre outros casos, em “situações de ruína iminente” e “quando os edifícios existentes não constituam elementos com interesse urbanístico, arquitectónico ou cultural” e “o projecto apresentado para a sua substituição contribua para a valorização arquitectónica, urbanística e ambiental da área”.
Ora, para Mariana Villas-Boas, as normas não estão a ser cumpridas e “num Estado de direito isso não pode acontecer”. A cidadã admite que talvez tenha agido um pouco tarde para evitar o derrubamento do prédio na Praça das Flores, mas acredita que a petição e as queixas ajudam a criar consciência sobre o assunto. E espera que sirvam para evitar situações semelhantes no futuro.
O director municipal do Urbanismo justificou a aprovação do projecto, em Julho de 2015, da seguinte forma: “A arquitectura, como qualquer das outras artes, tem esta espantosa característica de, perante uma intervenção, podermos ter vários olhares e todos eles válidos.”