Japoneses-americanos recordam campos de concentração, 75 anos depois
A 19 de Fevereiro de 1942, o Presidente Roosevelt assinava um decreto para autorizar a detenção de norte-americanos de ascendência japonesa. Cerca de 120 mil passaram parte da II Guerra Mundial em campos de concentração nos EUA.
Joyce Nakamura Okazaki tinha sete anos em 1942 quando a família deixou a sua casa em Los Angeles e apresentou-se num campo de internamento para americanos de ascendência japonesa no deserto californiano, durante a II Guerra Mundial. Recorda-se de quartos cheios de berços e do embaraço que sentia pelo facto de as casas-de-banho do campo de Manzanar não terem privacidade. “Tal como aconteceu na Alemanha Nazi, nós, japoneses-americanos, fomos postos em campos de concentração”, disse Okazaki, hoje com 82 anos, apesar de reconhecer que os detidos não foram mortos ou torturados.
“Mas estávamos constantemente sob ameaça se nos aproximássemos das redes de arame farpado”, recorda.
Há 75 anos, assinala-se neste domingo, o Presidente norte-americano Franklin D. Roosevelt assinava a ordem executiva 9066, que autorizava a detenção dos japoneses-americanos.
Cerca de 120 mil pessoas foram detidas em dez campos devido ao receio de que os japoneses-americanos colaborassem com o inimigo. Três meses antes, os Estados Unidos tinham entrado na II Guerra Mundial após o ataque surpresa do Japão contra Pearl Harbour, no Havai.
As fotos da altura ilustram o sentimento de perda de liberdade destes cidadãos americanos: homens elegantemente vestidos, de fato e gravata, a formarem filas nas ruas das cidades, ao lado de sacos e mala, a caminho dos campos. Uma mãe de bebé ao golo debruçando-se sobre as bagagens. O pó e as camaratas. Um detido a conduzir um tractor dentro do campo. Para recordar este período da história, uma exposição fotográfica com trabalhos de nomes cimeiros como Ansel Adams e Dorothea Lange abriu na sexta-feira no Museu Nacional de História Americana em Washington DC. Entre as muitas fotografias está a que imortaliza Okazaki, abraçada à mãe e à irmã, no campo de Manzanar.
Okazaki recorda uma vida de medo no campo. “Com redes de arame farpado e torres de vigia e guardas armados, ganha-se medo”, conta à Reuters.
Paralelos com o decreto de Trump
Alguns japoneses-americanos traçam agora um paralelo entre o internamento forçado nos anos 40 do século passado e a ordem executiva do actual Presidente dos EUA, Donald Trump, que no mês passado proibiu temporariamente a entrada de pessoas oriundas de sete países de maioria muçulmana.
“Como se reage hoje à proibição dos muçulmanos é como se reagiria à prisão dos meus avós e pais há 75 anos”, afirmou em Janeiro no Congresso o representante Mark Takano, cuja família foi detida durante a II Guerra Mundial.
O antigo detido Kanji Sahara recorda a chegada a um campo no hipódromo de Santa Anita, a meia hora da sua casa em Los Angeles, quando tinha oito anos. “Disseram-nos para nos apresentarmos à nossa igreja local. Estava uns dez ou 15 autocarros lá à nossa espera”, recorda Sahara, hoje com 82 anos. “Quando saí do autocarro, conseguia ver filas e filas de estábulos e barracas no parque estacionamento. Era aí que vivíamos”, conta.
O hipódromo foi um “centro de reunião” temporário para mais de 18 mil pessoas. Entre estas estava George Takei, que se tornaria um conhecido actor da saga Star Trek.
Seis meses depois, Sahara e a sua família foram transportados para um campo permanente em Jerome, estado norte-americano do Arcansas. Desta vez, foram de comboio.
“Havia guardas nas pontas de cada carruagem e as persianas estavam baixadas”, recorda Sahara.
No entanto, o período em Jerome correspondeu a uma melhoria das condições de vida. “A primeira coisa que notei foi o número de pessoas que vivia em cada camarata, comparado com Santa Anita, onde quase não nos conseguíamos mexer”, conta Sahara.
O rapaz de ascendência japonesa e a família só foram autorizados a sair do campo em 1945, tinha Sahara 11 anos. Okazaki e a família foram libertados em Julho de 1944. Foram obrigados a jurar lealdade aos Estados Unidos para recuperar a liberdade.
Hoje, Okazaki rejeita o termo “internamento” e prefere falar de “detenção” ou de “prisão”.
“Eu não fui internada, porque sou uma cidadã americana. A definição legal de internamento refere-se a inimigos estrangeiros em tempos de guerra”, explica.
Em 1988, o Presidente Ronald Reagan assinou uma lei a conceder indemnizações aos sobreviventes. Cada um recebeu cerca de 20 mil dólares e um pedido de desculpa.