Equador decide se continua "revolução" de Correa

Pela primeira vez numa década, o nome do carismático Presidente não vai estar no boletim de votos. Eleições decorrem num momento de quebra de popularidade do actual líder.

Foto
Material de campanha de Lenin Moreno EPA/JOSE JACOME

Cheira a fim de era no Equador. Nos últimos dez anos, o Presidente Rafael Correa pôs em prática aquilo que definiu como “revolução cidadã”. Este domingo, os equatorianos elegem um novo chefe de Estado e, inevitavelmente, vão fazer um balanço da governação da década que transformou o país.

Longe vão os tempos em que o Presidente equatoriano era o líder com a mais elevada taxa de aprovação na América Latina. Correa sai de cena – pelo menos para já – com a sua popularidade em queda, fruto de uma combinação que junta o arrefecimento económico do último ano, os confrontos com a comunidade indígena e o desgaste provocado por uma presidência que os críticos dizem ter sido pouco dialogante. De acordo com uma sondagem das empresas Cedatos e Gallup publicada em Dezembro, apenas 35% dos eleitores apoiavam Correa.

A recessão do ano passado, recuo de 2,3% do PIB, pôs um travão à política expansionista que Correa privilegiou desde que chegou ao poder em 2007, responsável por tirar milhões de pessoas da pobreza e ter reduzido a taxa de desemprego para valores mínimos – está hoje nos 5%. Porém, os rendimentos continuam a ser muito baixos. Quase 20% dos trabalhadores ganham menos de 350 euros por mês, escreve o El País, algo que põe em causa a filosofia do “bem viver” defendida por Correa e transformada em política de Estado.

O “bem viver” é alicerçado num conjunto de políticas públicas que colocam o bem-estar individual à frente de outros objectivos como a “opulência” ou “o crescimento económico infinito”, de acordo com o Governo. Foram anos de grandes investimentos públicos e de reforço das prestações sociais, mas a queda do preço do petróleo dos últimos dois anos – que representa metade das exportações – colidiu com os projectos do Governo.

Neste contexto, parece certo que o próximo governante terá uma conjuntura consideravelmente diferente da que Correa encontrou. “O Governo não vai poder continuar a aplicar a mesma estratégia. A realidade económica mudou e a resposta política é anacrónica”, diz ao El País o economista Acosta Burneo.

Outro dos focos de fragilidade do actual Governo vem, ironicamente, de um dos sectores que mais força eleitoral lhe dava – a comunidade indígena. As relações entre Correa e os índios da província de Morona Santiago atingiram um ponto de não retorno depois de, em Novembro, ter sido enviado o Exército para a região para expulsar um grupo de nativos da etnia shuar que tinha ocupado instalações mineiras. Os indígenas opõem-se à concessão dos direitos de exploração de uma mina a uma empresa chinesa e prometem agora estender o seu protesto à mesa de voto.

Há ainda o fantasma da corrupção, o tema que dominou a campanha eleitoral, de acordo com os analistas. A divulgação dos Panama Papers atingiu vários responsáveis políticos equatorianos, incluindo um ex-governador do banco central e o procurador-geral. Mas o grande impacto tem vindo do caso que envolve a Petroecuador – a petrolífera estatal. Mais de 20 pessoas são acusadas de vários crimes, incluindo o antigo presidente da empresa e um ex-ministro, que fugiu do país. Mais recentemente, também a investigação que envolve a construtora brasileira Odebrecht trouxe a público ligações ao Governo de Correa.

Os candidatos

A personalidade carismática de Correa pairou sobre a campanha eleitoral. E, ironicamente, isso pode ter prejudicado o candidato que lhe é mais próximo. Lenin Moreno é um ex-vice-presidente que tem procurado um difícil equilíbrio: apresentar-se como um candidato com um peso próprio e diferente do actual Presidente, ao mesmo tempo que reclama a sua herança de justiça social.

“A sua mensagem não foi clara”, diz à AFP o analista Franklin Ramírez. “Ao início apresentou-se como ‘descorreizador’, como se estivesse de mão estendida, mas nas últimas semanas foi-se reaproximando do relato ‘correísta’”, explica.

Ainda assim, Moreno aparece como o mais bem colocado para suceder a Correa, com as sondagens a darem-lhe cerca de 30% dos votos. A confirmar-se este número, a decisão teria de ser sujeita a uma segunda volta, uma vez que é necessário que o candidato mais votado tenha no mínimo 40% e uma diferença de dez pontos em relação ao segundo para que seja eleito já este domingo.

A direita não conseguiu aproveitar a janela de oportunidade que a mudança de ciclo proporcionou ao não ter apresentado uma lista conjunta de alternativa ao oficialismo. São três as candidaturas que se apresentam à direita, com destaque para o antigo banqueiro e ex-candidato presidencial Guillermo Lasso, que promete expulsar o fundador da WikiLeaks, Julian Assange, da embaixada equatoriana em Londres, onde reside desde 2012.

Há ainda Cynthia Viteri, do Partido Social Cristão, e o ex-futebolista e filho de um antigo presidente, Dalo Bucaram, que com Lasso disputam uma primeira volta que também serve como “uma espécie de primárias da direita”, observa Ramírez.

O que parece ser certo é que, independentemente do desfecho das eleições, o Equador vai entrar numa nova etapa política, diferente do “hiperpresidencialismo” atribuído a Correa. “Qualquer governo que venha, incluindo de Lenin Moreno, será muito frágil, porque a composição da Assembleia vai ser mais fragmentada, com maior representação de outras forças políticas, mais difícil de manejar e de fazer alianças”, diz à AFP o professor da Faculdade Americana de Ciências Sociais Simón Pachano.

Mas, mais do que uma nova forma de fazer política, os equatorianos decidem se a “revolução cidadã” de Correa vai passar para uma nova fase ou vai ser travada, à semelhança do que tem acontecido noutros países da América Latina, onde líderes socialistas têm sido substituídos por presidentes à direita, como no Brasil e na Argentina.

Sugerir correcção
Comentar