As novas galerias a caminho da Arco
Uma visita guiada pelas 13 galerias que vão estar na Arco Madrid a partir do próximo dia 22. Duas jovens galerias fazem a sua estreia e há vários sinais de uma recuperação pós-crise.
Quando o italiano Matteo Consonni entrou na Galeria Pedro Alfacinha e disse ao galerista português que ia abrir um espaço na Madragoa, em Lisboa, Alfacinha deu-lhe um abraço. Faz agora um ano e a vontade de Matteo, que dirigiu até ao ano passado uma das mais importantes galerias italianas, mostrava que a aventura de fazer uma galeria de arte contemporânea tinha futuro e não era apenas uma excentricidade.
Durante as visitas que fizemos às 13 galerias que vão à Arco Madrid, a feira de arte contemporânea que começa esta semana, entre 22 e 26 de Fevereiro, falámos de alguma recuperação do mercado da arte depois da crise, embora esse sentimento não seja unânime. Duas delas, exactamente as galerias Madragoa e Pedro Alfacinha, vão estrear-se na Arco madrilena no programa Opening, dedicado às galerias mais jovens, onde se juntam à Kubik, do Porto.
As galerias Vera Cortês e 3+1 mudaram de morada para espaços maiores, a Filomena Soares vai ter o maior stand de sempre na Arco Madrid e Cristina Guerra reconhece que a Arco Lisboa, que teve a sua primeira edição na Cordoaria Nacional no ano passado, terá reaproximado o público das galerias.
Depois do êxito surpreendente em 2016, a feira que a organização espanhola trouxe para Lisboa vai regressar a 18 de Maio. Nessa semana, a galeria espanhola Maisterravalbuena abre um novo espaço no Bairro de Alvalade e a muito esperada Galeria Francisco Fino tem marcada a inauguração em Marvila, ambas em Lisboa.
Galeria Madragoa
O melhor que pode acontecer a uma galeria jovem
É a mais nova das galerias portuguesas que vai à Arco Madrid, onde se estreia na próxima semana. Em Abril do ano passado, a Madragoa, como o nome indica, abriu na Madragoa, um dos bairros populares e típicos de Lisboa, mesmo ao lado da Lapa. Na Rua do Machadinho, desengane-se quem vai à procura de um espaço clean e, digamos, com aquela ambição às vezes um pouco despropositada dos novos espaços portugueses. Talvez esta nova geração, que apanhou a crise quando entrou para o mercado de trabalho, esteja a fazer da frugalidade uma marca.
A galeria fica num prédio de azulejos azuis e brancos e nos 18 metros quadrados de área expositiva, que dá para a rua, é onde Luís Lázaro Matos apresenta o seu trabalho Smile! You Are in Spain, que parte da campanha turística que utilizou os símbolos de Juan Miró e completa-se com uma instalação performativa na feira de Madrid, em que pede a 26 arquitectos para imaginarem uma villa no sul de Espanha inspirada em O Grito, de Munch. É por isso que, aqui, as paredes estão pintadas de salmão, sublinhando os clichés de sol e paella, onde o artista português mostra os seus próprios desenhos para uma villa, ao som de uma canção de Raffaella Carrà.
Na tarde em que passámos pela Madragoa, Matteo Consonni e Gonçalo Jesus, os donos desta galeria, que se conheceram em Londres, estavam muito felizes. Acabaram de saber que tinham sido aceites na Liste de Basileia, vista como uma plataforma para chegar ao melhor prémio, a Art Basel. “É a coisa mais importante que pode acontecer a uma galeria jovem”, explica Matteo Consonni.
Os artistas que representa — além dos portugueses Lázaro Matos e Sara Chang Yan, tem também Adrían Balseca, Rodrigo Hernández, Renato Leotta e Joana Piotrowska — mostram logo ao que vem esta nova galeria. Ancorada num forte programa internacional, ainda sem completar um ano de vida, a Madragoa já faz várias feiras internacionais: além da Liste e da Arco Madrid, foram aceites na SP Artes (São Paulo), Gran Palazzo (Roma), Art-O-Rama (Marselha) e Artissima (Turim), a principal feira de arte italiana, sendo que as duas últimas já fizeram no ano passado. Vão também fazer a Arco Lisboa pela primeira vez.
O italiano Matteo Consonni tinha acabado de chegar da feira Zona Maco, na Cidade do México, onde levou o trabalho de Rodrigo Hernández (instalações de parede em papel maché), ele próprio um artista mexicano. “Correu muito, muito bem. Vendemos para três colecções públicas, uma delas é o Museu Amparo.”
O segredo de Matteo Consonni, como explica outro jovem galerista português, Pedro Alfacinha, que também vai à Arco Madrid pela primeira vez, é ter trabalhado na famosa Galeria Franco Noero, em Turim, da qual foi cinco anos director. Nas palavras de Alfacinha, é uma das melhores galerias do mundo e que lhe dá uma lista de contactos inimaginável. Para Gonçalo Jesus, que esteve oito anos a fazer um doutoramento em Biologia em Londres, a Madragoa é a sua primeira galeria, além das ligações ao mundo da arte contemporânea que começaram através da mulher, a curadora Luiza Teixeira de Freitas.
Foram para a Madragoa, um sítio que escapa ao roteiro das galerias mais conhecidas, porque queriam ficar no centro e em contacto com a vida de um bairro, explica Gonçalo Jesus. “Esta experiência de cidade era importante para o público internacional”, dizem os dois.
Já duplicaram o espaço, ao alugar o andar por cima da galeria, que entretanto ficou vago — e onde podem receber os artistas estrangeiros que queiram trabalhar na cidade –, “uma oportunidade que não estávamos à espera e que não podíamos perder”, explica o português.
A simplicidade continua no primeiro andar e Matteo Consonni faz troça da mania dos grandes acervos que às vezes são melhores do que o próprio espaço da galeria. A prioridade é vender a exposição, e, claro, poupar para as viagens e para pagar as presenças nas feiras.
A próxima, Arco Madrid. “É a única feira que aparece nas news em Portugal”, diz Gonçalo. “Provavelmente é onde há mais compradores portugueses e espanhóis, que é um mercado ao qual estamos interessados em chegar”, acrescenta.
Sobre a Arco Lisboa, o que diz Matteo é simples: “É uma coisa importante para a cidade, automaticamente é uma coisa boa para nós.” Isabel Salema
Galeria Pedro Alfacinha
“Comprar arte é uma excentricidade”
A exposição do duo Von Calhau! na Galeria Pedro Afacinha está toda vendida. O galerista, que vai pela primeira vez a Madrid, à secção Opening, dedicada às galerias jovens, leva desenhos dos Von Calhau!, da mesma série, e uma surpresa: uma instalação que não vai ser desvendada antes da próxima semana.
“O stand de Madrid é uma espécie de evolução do que está aqui”, diz Pedro Alfacinha na sua galeria na Rua de São Mamede ao Caldas, na Baixa de Lisboa. “Significa expandir ou potenciar a lista de contactos. Deixar de depender dos clientes locais. Depois, há o paradoxo de ir conhecer a maior parte dos clientes locais que nunca cá vieram.”
A galeria abriu em 2014 e tem 50 metros quadrados. Alfacinha, que começou por ser editor de livros de fotografia, diz que a aventura de abrir uma galeria em Lisboa está a correr muito melhor do que esperava: “Não quer dizer que não seja muito complicado. Disseram-me que ia perder dinheiro durante cinco anos, mas para mim isso não era uma hipótese. O fundamental é que continuo aqui.”
Tem actualmente poucos clientes, mas ajuda serem “muito bons”: “O mercado é feito por pessoas com um certo arcabouço financeiro. Há imensa gente com essa capacidade, ao contrário do que se diz, mas comprar arte é uma excentricidade. Chegar às pessoas não é muito fácil.”
Sobre a Arco Lisboa, onde não esteve na primeira edição como galerista, porque ainda não havia secção Opening, Pedro Alfacinha ficou muito contente por toda a gente ter dito que a feira tinha corrido bem. Este ano já vai, mas sublinha que “não se pode confundir a existência de uma feira que é um franchising estrangeiro com um momento de particular saúde da produção dos artistas em si e das próprias galerias”. A longo prazo, “é sustentável se a qualidade atrair melhores coleccionadores estrangeiros, porque os de cá já tinham a Arco Madrid”.
Embora reconheça que, na primeira edição, as galerias fizeram um esforço muito bom, o seu desejo é que a feira de Lisboa cresça em qualidade de galerias e coleccionadores: “Não se pode viver só da golden age turística do momento.”
E o maior problema de um jovem galerista? — perguntamos: “É ter dinheiro para pagar as contas. As maioria das galerias começa com dinheiro para os tais primeiros cinco anos.” Isabel Salema
Kubikgallery
Recordar e debater o colonialismo português
Nasceu no Porto (Rua da Restauração, junto ao Douro) em 2009, aventura de João Azinheiro (n. Lisboa, 1980), um arquitecto que decidiu trocar a sua profissão pelas artes. Andou por São Paulo, onde durante ano e meio dirigiu a Galeria Baró, e da experiência trouxe um programa de ligação das artes contemporâneas dos dois países — que passou, entretanto, também pela abertura de um escritório na cidade brasileira. “Ando sempre cá e lá, e o Brasil é um mercado-alvo importante para os artistas portugueses, porque há coleccionadores novos muito interessados nela”, diz ao P2.
Esta é a terceira vez que a Kubik vai à Arco. Em 2015, esteve na Opening. No ano passado, levou um solo project do artista brasileiro Filipe Cohen — que conquistou o prémio de melhor espaço e de melhor artista sul-americano.
Este ano, estará também com um só artista, a galega Carme Nogueira, com A Propósito de Alvão. Trata-se de um projecto que associa a instalação, a fotografia, a pintura, o desenho e ainda um livro de artista, e que tem por base uma aturada pesquisa que Carme Nogueira realizou, no Porto, sobre a Exposição Colonial de 1934, no Palácio de Cristal. Pegando no caso do pavilhão da Casa Ferreirinha, e do trabalho de fotografia que para esta empresa foi então realizado pela Casa Alvão, a artista leva — e já o fez no final do ano passado, no próprio Palácio de Cristal — o visitante-espectador-leitor a participar na reflexão sobre a utilização-manipulação da fotografia para fins publicitários e empresariais. “À Carme não interessa tanto a arte que cativa o olhar, interessa mais do que isso: ela põe o foco na pesquisa e põe em confronto uma situação histórica, a memória do colonialismo e a sua leitura feita no tempo actual”, explica João Azinheiro.
A sua expectativa é que A Propósito de Alvão interesse a um qualquer museu, ou mesmo à própria Casa Ferreirinha. “Vai ser muito importante para nós, para o Porto e para o país, ser uma espanhola a reviver este momento do passado português”, diz o galerista.
Em Maio, a Kubik vai estrear-se na Arco Lisboa — com trabalhos de Pedro Tudela, de Pedro Vaz e dos brasileiros Leda Catunda e Filipe Cohen —, também com grande optimismo: “Lisboa tinha de ter uma feira de arte, e esta parece-me que tem a dimensão certa”, acredita Azinheiro. Sérgio Costa Andrade
Galeria Vera Cortês
Um espaço novo em Alvalade para mudar de paradigma
Este é um tempo de mudanças para a galerista que, pelo primeiro ano, integra o comité de selecção de galerias da Arco Madrid.
Depois de 12 anos na Avenida 24 de Julho, num apartamento antigo que tinha o espaço expositivo dividido por cinco salas, Vera Cortês tem agora uma grande sala em Alvalade, para onde se mudou em Novembro e onde mostra actualmente o trabalho da dupla britânica John Wood e Paul Harrison, num projecto de Paulo Martins Barata, marido da galerista e um dos sócios do atelier Promontório.
“O espaço da 24 de Julho tinha as suas limitações e havia um certo cansaço. Fizeram-se muitas coisas e partiram-se muitas paredes. Eram sempre cinco salas e a exposição era repartida por essas salas. Ao fim de 12 anos, já tinha artistas que tinham feito quatro ou cinco exposições naquele espaço. Às vezes, é preciso mudar os paradigmas.”
Nestes novos 300 metros quadrados, passa-se para um quadrado como espaço central de exibição e uma área de mais de 100 metros quadrados. A outra grande diferença é a conquista de um verdadeiro espaço de acervo. “Era muito difícil mostrar obras que não estivessem na exposição. Tinha que pedir aos clientes para me dizerem que obras queriam ver para ir buscar ao armazém e combinar outro dia para mostrar.”
No Bairro de Alvalade, há também a vantagem de ter vizinhos com quem dialogar: a Fundação Leal Rios, as galerias Vera Appleton e Quadrado Azul e, brevemente, a espanhola Maisterravalbuena.
“Está a funcionar super bem. Temos tido inclusive público novo. Alguns coleccionadores que conhecia e raramente apareciam e que vieram agora, outros que não conhecia, pessoas do bairro e estudantes. Como é tudo novidade, ainda não consigo dizer se há aqui mais público.”
Sobre a Arco Lisboa, Vera Cortês acha que este ano também vai correr outra vez muito bem. “Montes de galerias que não vieram no ano passado telefonaram a pedir a minha opinião. Há muitas feiras, algumas muito grandes, mas aqui a Arco conseguiu fazer uma feira de tamanho médio, com muita qualidade, e atrair uma série de coleccionadores. Eu não estava à espera de conhecer coleccionadores novos numa feira em Lisboa e conheci quatro ou cinco. É bastante.”
Depois de Madrid, onde leva cinco artistas e um duo (José Pedro Croft, André Guedes, Joana Escoval, Daniel Gustav Cramer, Céline Condorelli e John Wood & Paul Harrison), Vera Cortês segue para a feira Armory Show, em Nova Iorque, “que correu muito bem no ano passado”. Para lá das Arcos, é a feira que já sabe que vai fazer este ano até saírem todos os resultados das candidaturas.
Galeria 3+1 Arte Contemporânea
O regresso à galeria
Depois de dez anos no Chiado, a Galeria 3+1 mudou de bairro. Está desde 19 de Janeiro em São Bento, no Largo Hintze Ribeiro, onde passou dos antigos 90 metros quadrados para 400. “O espaço é maior para podermos trabalhar sobretudo o acervo. Acabávamos as exposições e depois tínhamos de armazenar tudo”, explica Jorge Viegas, que dirige a galeria com o australiano James Steele.
Saíram do Chiado (“que já não é dos lisboetas”), foram para São Bento (“porque não queríamos sair do centro”) e não escolheram Xabregas, a zona mais na moda para abrir galerias, por ser demasiado fora de mão (“não queríamos mudar radicalmente de vida”).
Quando a Galeria 3+1 apareceu em 2007, começou a trabalhar com artistas mais jovens e também com brasileiros, sendo hoje esta última opção menos marcada. Para inaugurar a nova morada, que tem três salas de exposições, dois espaços de acervo e um escritório, escolheram mostrar o trabalho de Sam Smith, um australiano residente em Londres que apresenta esculturas e filmes. Segue-se, em Março, a primeira exposição de Jorge Queirós na 3+1, pinturas e desenhos.
No ano passado, a nível de feiras de arte, “a Arte BA, em Buenos Aires, correu melhor do que a Arco Lisboa, que comercialmente também foi muito bom”. Levaram para a Argentina (o país convidado da Arco Madrid este ano), Claire de Santa Coloma, uma argentina que em 2017 está a fazer uma residência artística em Lisboa no âmbito da Capital Ibero-Americana de Cultura. “Vendemos o stand todo logo no início!” Voltam agora a levá-la a Madrid, ao lado de Carlos Nogueira, Cristina Garrido e Rosana Ricalde.
A primeira Arco Lisboa “trouxe sensações muito boas”, mas “a ligação com as instituições culturais e com os espaços mais experimentais precisa de ser desenvolvida”.
“Apesar de as feiras serem necessárias como pão para a boca, e a galeria não ir a uma feira como Madrid representar seis meses sem trabalho, tem-se perdido esta coisa de as pessoas virem à galeria, porque há em média uma feira por mês”, afirma Jorge Viegas. Os coleccionadores podem andar de feira em feira sem precisarem assim tanto de fazer o circuito das galerias. O novo espaço e a mudança de escala significa contrariar essa tendência: “Eu acredito no regresso da galeria.” Isabel Salema
Galeria Quadrado Azul
A mais antiga na Arco
Reivindica o estatuto de mais antiga galeria portuguesa a marcar anualmente presença na Arco e desde Novembro do ano passado que está a comemorar o seu 30.º aniversário. “Temos ido sempre a Madrid, desde 1995, porque é uma feira fundamental, que abre possibilidades imensas para as galerias e para os artistas portugueses”, justifica Manuel Ulisses, fundador da galeria.
Este ano, a Quadrado Azul vai levar à capital espanhola fotografia de Paulo Nozolino, pintura de José de Guimarães, escultura e instalação de Francisco Tropa e ainda pintura, desenho e fotografia do seu irmão, Pedro Tropa. Mas no stand 9E08 da feira serão igualmente exibidos trabalhos de dois artistas mais jovens – “mas em vias de se tornarem consagrados”, realça Manuel Ulisses –, Gonçalo Sena e Ana Santos. Do primeiro, será mostrado um desenho e uma escultura em bronze e cimento; de Ana Santos, uma instalação s/título.
O critério desta escolha, o galerista diz ser o de sempre: “Dar a conhecer os artistas mais novos e mostrar a evolução do trabalho dos consagrados” — cita os casos óbvios de Nozolino e Guimarães, mas recorda que Francisco Tropa, que este ano irá estar destacado no espaço da Fundação Arco, tem já também um nome firmado a nível internacional, nomeadamente em França, onde a sua obra está representada em vários museus e instituições. De resto, a Quadrado Azul vai fazer o lançamento na feira, na tarde de 23 de Fevereiro, do seu livro Queijada de Sintra, Carapau Adormecido e ½ Figura, na presença do artista e de Sérgio Mah, autor do texto — o livro contém uma reprodução de Sombra de ½ Figura, um trabalho datado de 2002, mas que será agora revelado em Madrid em primeira mão.
Todos os outros trabalhos que a Quadrado Azul leva à Arco serão igualmente inéditos. É uma vez mais o reconhecimento por Manuel Ulisses da importância da feira espanhola, a única no estrangeiro onde a galeria portuense (na Rua de Miguel Bombarda) continua a marcar presença, depois de passagens efémeras pelas de Bruxelas e de Colónia.
E a Quadrado Azul vai também voltar a marcar presença na Arco Lisboa, que o galerista reputa da maior importância para o país. “Portugal merece ter uma feira de arte e, depois da experiência fracassada da FIL, já era tempo de se realizar uma feira de qualidade — acredito que vai ter futuro”, diz Manuel Ulisses. Sérgio Costa Andrade
Galeria Mário Sequeira
Cuba em Madrid
Há 23 anos que a Galeria Mário Sequeira vive sob os efeitos de uma “tripla periferia”: é uma galeria portuguesa, situada fora das duas grandes cidades do país e ainda por cima está a seis quilómetros do centro da cidade de Braga. A presença na Arco tem sido uma forma de ultrapassar essa dificuldade. “Atraímos muitos clientes espanhóis e, nos últimos anos, também começamos a receber pessoas da Bélgica e da Holanda por causa da nossa presença em Madrid”, explica Mário Sequeira, o homem que empresta o nome e a liderança ao espaço.
A Mário Sequeira repete a presença na Arco pela 17.ª vez. Desta feita, leva uma novidade: um trio de cubanos constituído por Yoan Capote, Aimée García e Mabel Poblet. “São trabalhos com uma carga política e que reflectem muito os problemas cubanos”, explica Sequeira. Os três artistas partem da pintura e recorrem a uma técnica mista para reflectirem sobre a insularidade da ilha (Capote), a censura do regime (García) e a aparente proximidade dos Estados Unidos através do estreito da Flórida (Poblet).
A estes juntam-se o alemão André Butzer e o britânico Julian Opie, presença habitual na galeria, que o representa em exclusivo para Portugal, Espanha e Brasil. De artistas nacionais, estarão presentes obras de Isaque Pinheiro, Luís Coquenão, Pedro Calapez e Pedro Cabrita Reis. Samuel Silva
Galeria Filomena Soares
O maior stand de sempre em Madrid
Os 18 artistas que a Galeria Filomena Soares leva a Madrid vão estar todos em exposição num stand que tem 160 metros quadrados – na verdade são 130 mais outros 30 para o projecto especial que dedica ao artista colombiano Carlos Motta, um trabalho que cruza fotografia e instalação.
“Os 160 metros quadrados são uma aposta. A Arco merece sem dúvida, porque cada ano que passa tem superado as expectativas”, explica Manuel Santos, dono da galeria juntamente com a sua mulher, Filomena Soares, que esta semana tinha acabado de chegar da Zona Maco, no México, e se queixa de jet lag. Até Agosto, já sabem que vão estar na Art Brussels, na Art Genève, na SP Artes e na Art Mont-Carlo, além das Arcos.
A galeria faz, em média, dez feiras por ano. Setenta por cento das vendas passam por aí. É nas feiras que consegue vender as peças mais caras, que podem chegar aos 200 mil euros, mas também tem obras a oito mil.
“Sem dúvida que há uma recuperação do mercado a nível nacional. O nosso estava bastante em baixo. Para além do novo coleccionismo, há uma retoma”, afirma Manuel Santos, interrogado sobre a saúde do mercado. “O crescimento está todo à vista, cada vez há mais galerias e o mercado suporta-o. Mas isso vê-se mais em Lisboa.” No seu espaço, em Xabregas, tem actualmente uma exposição de Rui Chafes.
Tal como a Baginski, a Arco Lisboa foi também importante para a Filomena Soares para retomar contactos com os coleccionadores do Norte. Oitenta por cento dos coleccionadores que foram à feira já eram conhecidos da galeria. “Obviamente que houve vendas e toda a gente ficou satisfeita, mas o importante é funcionar. Aqui, a Arco Lisboa é importantíssima para as galerias que não fazem feiras internacionais. Mas são precisas melhores galerias internacionais para atrair melhores coleccionadores.” Isabel Salema
Cristina Guerra Contemporary Art
“Uma galeria tem de estar sempre a ser inventada”
“O coleccionador é hoje uma pessoa muitíssimo informada”, diz Cristina Guerra no seu espaço de 600 metros quadrados na Rua de Santo António à Estrela, em Lisboa, onde está uma exposição de André Cepeda.
“O coleccionador-coleccionador”, como a galerista lhe chama, já não depende apenas do seu galerista. Estuda os artistas que compra, conhece os rankings, tem sempre a noção de que se trata de um investimento. “Pensa global, não pensa local.”
Por isso, os concorrentes da galeria não são só nacionais mas internacionais. “Hoje em dia as coisas circulam. As pessoas que querem comprar um Lawrence Weiner consultam as galerias que têm obras dele.” Neste universo, dos artistas mais caros que a galeria vende, podemos estar a falar de preços à volta dos 375 mil dólares (aproximadamente 353 mil euros), mas a média varia entre os 10 e os 40 mil, com alguns dos mais jovens a descerem até aos 3500.
Se antes da crise havia as colecções do BES e da Elipse (BPP), que faziam compras internacionais, a verdade é que em Portugal as instituições culturais portuguesas compram “pouquíssimo”, como se sabe. O CCB e a Caixa, por exemplo, não compram há anos, afirma a galerista. Agora, quem lhe compra as peças mais caras são coleccionadores privados, portugueses ou estrangeiros.
A sua expectativa para a Arco Madrid é que o país esteja cada vez melhor representado e que Portugal tenha cada vez mais força: “A partir do momento em que haja a noção que aqui há boa arte contemporânea alarga-se um bocado este mercado, que é uma coisa muito curta.”
A história de uma das mais internacionais galerias portuguesas — nas suas contas, vai à Art Basel há 14 anos — passou exactamente por ir buscar artistas internacionais para dar contexto aos artistas nacionais e chamar a atenção para a galeria. Ela, que já chegou a fazer sete feiras, vai agora a quatro ou cinco por ano: Art Basel em Miami e Basileia, a Loop de Barcelona, Bogotá, a Arco Madrid, além da Arco Lisboa.
“Uma galeria tem de estar sempre a ser inventada. Com os mais novos, como André Cepeda, Edgar Martins e Diogo Pimentão, é preciso construir uma carreira e dar-lhes visibilidade internacional.” A Madrid, além dos dois primeiros, leva este ano Julião Sarmento, Lawrence Weiner, Jonathan Monk, Rui Toscano, Erwin Wurm, Yonamine, João Louro, Matt Mullican e José Loureiro.
A galerista tem algumas dúvidas se se pode falar de um regresso das pessoas às galerias nacionais. “Havendo uma crise económica as pessoas afastam-se.” Talvez a Arco Lisboa, cujo comité de selecção Cristina Guerra integra, tenha aproximado algumas pessoas que estavam afastadas das galerias. “A Arco Lisboa traz imensos estrangeiros e os coleccionadores estrangeiros interessam-se pelas galerias. O país ganha porque se normaliza”, diz em resposta à pergunta sobre o reflexo da feira liboeta no resto do ano.
Num mercado tão pequeno, um dos problemas para o coleccionismo português continua a ser encontrar onde vender as suas obras. “Nos leilões internacionais os artistas portugueses não entram.”
No dia seguinte à conversa com o P2, Cristina Guerra foi à Berlinale ver Spell Reel, a primeira longa-metragem da artista multimédia Filipa César, que a galerista também representa. Isabel Salema
Galeria Múrias Centeno
"As pessoas precisam de coaching"
Desde 2014, a Múrias Centeno junta as experiências anteriores de uma galeria no Porto, a Reflexos/Nuno Centeno (2007-2011), à de Bruno Múrias, que trabalhou vários anos na lisboeta Filomena Soares, uma das mais relevantes galerias portuguesas. Das galerias mais recentes que vão à Arco, a Múrias Centeno é a única actuar em Lisboa e no Porto, mas neste momento tem apenas uma exposição, do artista brasileiro Adriano Costa, em Lisboa.
Nos seus 180 metros quadrados do espaço lisboeta, na Rua Capitão Leitão, em Marvila, o galerista Nuno Centeno diz que acabam de contratar um gestor quando lhe perguntamos sobre o peso das vendas em galeria e nas feiras. “É meio, meio. Mas para o ano já vamos ter números exactos.”
Centeno concorda com a ideia de um regresso da galeria como peça-chave do mercado: “Acho que as pessoas voltaram a confiar na galeria. As pessoas precisam de um coaching. A versão dos artistas venderem directamente aos coleccionadores, pós-Damien Hirst, é uma coisa datada. O triângulo dourado entre artista, galeria e coleccionador é muito importante.”
O artista precisa de quem o leve às feiras, quem o promova. “E as pessoas", acrescenta, "gostam de comprar sabendo que há uma marca que protege o artista. Uma marca que o liga às instituições, como os museus e as fundações, a outros coleccionadores, aos curadores e à imprensa, e contribuem para a visibilidade do artista" que o coleccionador está a comprar.
Além da euforia da Arco Lisboa, o ano correu muito bem. A nível de feiras, fizeram a Independent de Bruxelas (um novo conceito de feira em que não há candidaturas), a Frieze de Londres e de Nova Iorque, a Liste de Basileia, a Zona Maco no México e a Arco Madrid. “As feiras são um cartão de visita, porque no pós feira são um motivo de conversa.”
Mas a Arco Madrid, diz Nuno Centeno, é a preferida. “É a nossa feira. É onde vendemos mais e onde nos sentimos em casa, rodeados de amigos e parceiros.” Este ano vão levar os 13 artistas que representam a um stand de 61 metros quadrados, mas não os vão expõr ao mesmo tempo, vão rodando. De qualquer forma, o destaque será dado a Ana Cardoso, Carla Filipe, Dan Rees, Daniel Steegmann Mangrané, Gabriel Lima, Max Ruf, Mauro Cerqueira e Musa Paradisíaca.
“A Arco é uma feira muito forte para trabalharmos a Península Ibérica, que é muito forte na área cultural, mas como estamos no canto da Europa é importante trabalhar essa união entre Portugal e Espanha. Há mercado porque tanto os portugueses como os espanhóis gostam de ir à feira participar.”
Por isso, Madrid é importante para encontrar os clientes habituais e para trabalhar os potenciais, numa galeria que vende obras entre os 5000 e os 50 mil euros. Na sua experiência, tem encontrado coleccionadores espanhóis a comprar em Portugal, mas em geral os portugueses não compram tanto nas galerias espanholas. “Os portugueses vão à Arco comprar portugueses. Uma feira é sempre uma boa oportunidade, para onde os galeristas levam as melhores coisas que têm, e eles confiam na Arco.”
Centeno, que faz parte do comité de selecção da Arco Lisboa, diz que é quase impossível apontar pontos negativos. “Foi uma surpresa.” Este ano, as expectativas estão “bastante elevadas” e sublinha a oportunidade que é a existência de uma nova secção como a Opening, porque permite mostrar as novas galerias, como a de Francisco Fino, que promete abrir antes de Maio, na mesma rua da Múrias Centeno. Isabel Salema
Galeria Baginski
Uma recuperação aos solavancos
Também na mesma rua da Múrias Centeno, um pouco mais à frente, fica a galeria que a luso-brasileira Andréa Baginski Champalimaud abriu em 2009, depois de ter tido um projecto ligado à fotografia. Talvez seja o espaço mais bonito entre as galerias lisboetas e a galerista diz que, no início, tinha que convidar as pessoas para almoçar no restaurante Bica do Sapato para as convencer a visitar Marvila. Ainda este ano, mesmo em frente, vai abrir a muito anunciada Galeria Francisco Fino.
“O negócio passa muito pelas feiras. Com esta exposição da Cecília Costa, que está aqui agora, tal como a anterior, foi através de emails que as peças desapareceram.” O que sente é que a recuperação, a existir, se faz aos solavancos. “É sazonal. Fazemos vendas, mas não é tão permanente como gostávamos que fosse."
Dos seus 12 artistas – três brasileiros, dois latino-americanos e os restantes portugueses –, leva sete à Arco Madrid: Fernanda Fragateiro, Bruno Cidra, Mauro Restiffe, Cecília Costa, Paulo Brighenti, Ana Vidigal e Jarbas Lopes. Este ano, regressa à SP Artes (São Paulo), onde Bruno Cidra vai ter um projecto individual, e estará pela primeira vez na Drawing Now, uma feira em Paris dedicada ao desenho.
Fará também a Arco Lisboa, uma feira que foi “na mouche” devido ao crescente interesse que há pela arte contemporânea portuguesa: “Vendi muito bem, mas não foi um deslumbre... Os coleccionadores perceberam que não é só a cidade que é bonita, mas que as galerias são boas. Os coleccionadores estrangeiros estão querendo feedback, sobretudo dos artistas portugueses.” Destaca as visitas matinais às galerias organizadas pela Arco em Lisboa.
Andréa Baginski acha que a Arco despertou células que estavam adormecidas em Portugal. “Havia coleccionadores de que me lembrava e que tinham desaparecido. Não compravam mais, mas apareceram na Arco. Vieram do Norte, Sul, Este, Oeste. Isso é importante numa cidade.” E do Norte não é uma metáfora, porque havia amigos do Norte que nunca tinham ido à Baginski. Isabel Salema
Galeria Pedro Cera
“Nota-se uma recuperação”
“A Arco Lisboa foi fantástica, mas foi um momento único”, diz Pedro Cera na sua galeria em Lisboa. Tal como os seus colegas, prepara agora a Arco Madrid, onde até ao ano passado fez parte do comité de selecção das galerias do programa geral. “Foi uma boa experiência. Mas acho que é mesmo imperioso que os comités se renovem. Todas as pessoas acrescentam sempre qualquer coisa.”
Neste momento, na Rua do Patrocínio, tem em exposição pinturas de Gil Heitor Cortesão, que este ano regressa a Madrid juntamente com os artistas Vera Mota, Ana Manso, Carlos Correia, Miguel Branco, Marinella Senatore, David Thorpe, Dora Longo Bahia, Matt Keegan e Adam Pendleton.
Em relação à presença da Argentina em Madrid, o galerista não tem qualquer expectativa em particular: “Não creio que hoje haja nenhuma justificação intelectual para fazer convites a países.”
Na Arco Lisboa, Pedro Cera conta que teve de mudar de peças todos os dias: “Vendemos muito. Vendemos a novos coleccionadores, vendemos a coleccionadores estrangeiros.” Agora, lembra, houve galerias estrangeiras que não venderam na feira: “Mas não é assim tão estranho, porque já fiz três feiras lá fora em que vendi zero.”
Se os resultados da Arco Lisboa conseguiram superar as expectativas, o galerista não sentiu que houvesse uma transformação no panorama ao longo do ano. “Tivemos um primeiro semestre absolutamente extraordinário e um final de ano que não foi diferente dos outros. A feira não teve nenhum efeito dinamizador [em relação ao resto do ano].” Mas, em geral, é possível dizer que se "nota uma recuperação”.
Este ano, a galeria já sabe que vai estar presente no primeiro semestre em mais duas feiras além da Arco: Basileia, a melhor feira de todas, e, pela primeira vez, na Gran Palazzo, em Roma, “uma feira boutique, com curadoria e cerca de 30 galerias”, organizada por uma galeria local, a Monitor. Isabel Salema
Galeria Graça Brandão
Escrever as memórias de um galerista
Este ano, José Mário Brandão, que tem uma galeria no lisboeta Bairro Alto, ao lado do Conservatório Nacional, leva só três artistas e uma dupla: Nuno Sousa Vieira, José Almeida Pereira, Paulo Lisboa e João Maria Gusmão + Pedro Paiva. “Vou ficar com um stand de 45 metros quadrados, mais pequeno, porque é mais barato. Evidentemente que estamos numa situação em que temos de estar mais atentos.”
A Arco Lisboa correu bem — “pelo menos tinha um cheirinho já de uma feira internacional” —, mas os resultados reflectiram-se “muito pouco” ao longo do ano. “Foi um prenúncio de qualquer coisa que pode vir a acontecer, que é entrarmos numa situação em que valha a pena continuar a trabalhar como galerista. Uma galeria como a minha baseou-se na existência das instituições (bancos, museus...) e já houve colecções um pouco por todo o lado, mas as poucas instituições que agora têm comprado é sempre de artistas muito jovens e obviamente muito baratos. Neste momento, navego um bocado à vista.”
A Madrid, a única feira internacional que está a fazer, não deixa de ir com o coração aberto, a pensar que vai correr o melhor possível e muito empenhado em apresentar os trabalhos de José Almeida Pereira e Paulo Lisboa.
Ultimamente, José Mário Brandão começou a escrever as suas recordações. “Não são memórias porque isso é pretensioso. Mas é uma coisa que os anglo-saxónicos fazem muito e nós muito pouco.” Uma história que começa no Teatro Experimental do Porto nos anos 60-70, passa pela Cooperativa Árvore a partir de 1980, pela inauguração da Galeria Nasoni, em 1986, e depois pela Canvas, em 1996 e pelo seu trabalho com a arte brasileira. É com a Galeria Graça Brandão, que começa primeiro no Porto em 2002, que José Mário Brandão abre em Lisboa, em 2006, onde centra agora a sua actividade de galerista. Por estas memórias, hão-de passar histórias com Lygia Pape, John Cage ou Vieira da Silva. Isabel Salema