Iglesias radicaliza o Podemos. Incapaz de crescer, desiste de ganhar eleições
Podemos escolhe ser uma força de choque e luta e não um partido para chegar ao governo.
1. Ao fim de meses de um implacável e mediatizado confronto político e pessoal entre os dirigentes, Pablo Iglesias impõe uma viragem na estratégia do Podemos, desvalorizando a luta nas instituições e apostando numa radicalização e nas mobilizações de massas. As eleições internas e o congresso Vistalegre 2, no passado fim-de-semana, consagraram a liderança de Iglesias e a derrota das teses do ex-número dois, Iñijo Errejón.
A nova estratégia foi aprovada por 56% dos votantes e a lista de Iglesias passa a controlar 37 dos 62 lugares do “Conselho Cidadão” (espécie de comité central). A proposta de Errejón obteve 34% e a sua lista conquistou 23 lugares na direcção. O documento dos “Anticapitalistas” (de origem trotskista) obteve 9% e elegeu dois dirigentes. Votaram, pela Internet, 155 mil pessoas.
2. Uma imagem do Congresso ilustra o contraponto: Iglesias saúda com o punho cerrado, Errejón com os dedos em V. O “duro” Iglesias contra o “sorridente” Errejón. Na campanha, Iglesias defendeu uma radicalização “para meter medo aos poderosos”. Errejón respondeu que o desafio não era meter medo aos poderosos, que já o sentem, mas seduzir “aqueles que sofrem e que não votam no Podemos”.
A primeira impressão é de uma implacável luta pelo poder, em que o aparelho “neoleninista” de Iglesias, assente em antigos quadros das Juventudes Comunistas, triturou o populismo “doce” de Errejón.
Sublinha o politólogo José Ignacio Torreblanca: “Chegaram —diziam — para regenerar a política, representar os não representados, abrir um caminho para que os jovens comprometidos pudessem fazer política, e fazê-la de forma distinta.”
Mas, “desde as eleições de Julho passado, o Podemos converteu-se num obscuro sótão de conspiradores onde o ambiente é de cortar à faca. (...) Um ambiente em que os egos de cada um e as ânsias de poder duma vida inteira deixam pouco oxigénio para respirar.”
“No Podemos não batalham correntes amplas e definidas, antes elites internas que tomam o debate como um jogo de soma zero: para que uns ganhem, os outros devem perder”, anota o politólogo Jorge Galindo. Também os velhos partidos da “casta” passaram por incontáveis guerras internas. “Porque a paz não existe em política, só existem o equilíbrio e a trégua. Essa é a vantagem oculta de ser, simplesmente, um partido mais.” Os novíssimos partidos, que prometem “uma forma nova de fazer política”, envelhecem muito depressa.
O mais basista dos partidos adopta um modelo centralista em que o poder se concentra no chefe.
3. Tanto Iglesias como Errejón querem a hegemonia da esquerda e ocupar o espaço político do PSOE. Divergem em como o fazer. Deixo de lado o esotérico debate do populismo, tal como o facto de o Podemos ser uma confederação de partidos, em que avultam as suas “confluências” nacionais — Catalunha, Valência, País Basco e Galiza. Centro-me na mudança de linha política.
O conflito estalou nas eleições de 26 de Julho de 2016, em que o Podemos, aliado à Esquerda Unida (IU, de matriz comunista) falhou o objectivo de ultrapassar o PSOE. Errejón atribuiu o desaire à aliança com a IU, imposta por Iglesias, que teria dado uma imagem de extrema-esquerda ao partido. Iglesias acusou “a campanha branda de sorrisos” dirigida por Errejón de ter desmobilizado os eleitores. Seguiu-se um longo impasse.
O politólogo Lluís Orriols faz uma análise interessante da opção de Iglesias. À primeira vista, o Podemos deveria aproveitar “a janela de oportunidade aberta pela crise do PSOE para seguir uma estratégia de compromisso de modo a tornar-se atractivo junto daqueles socialistas que se sentiam órfãos”.
O Podemos não devia “dedicar-se a cavar trincheiras exactamente quando o seu principal rival eleitoral tinha as suas fileiras divididas e sofria uma sangria de deserções”. Era a linha de Errejón, que tinha no horizonte um certo grau de colaboração com os socialistas visando a futura participação num “governo progressista”.
Orriols cita a objecção que lhe foi feita pelo jornalista Fernando Berlin: a opção de Iglesias ganha sentido se o Podemos tiver atingido o limite do crescimento, um “tecto eleitoral”. Neste caso, uma estratégia de moderação não lhe traria novos eleitores, podendo antes afastar algumas das actuais bases.
Estudando os inquéritos e dados eleitorais, Orriols concorda com a objecção. Há uma franja de eleitores do PSOE que estão ao alcance do Podemos. Mas não a maioria dos “potenciais órfãos”, que têm péssima opinião de Iglesias. Por outro lado, é possível que o Podemos tenha atingido o seu “tecto de vidro”. E para o romper deveria mudar parte da sua liderança e do seu ideário político. “Tal estratégia não seria isenta de custos: os dados sugerem que não se pode afastar um cenário em que os benefícios da moderação acabem por ser compensados, ou ultrapassados, por perdas à esquerda. Em suma: se o potencial de crescimento for modesto ou incerto, então talvez não seja má ideia ‘cavar trincheiras’ para consolidar os actuais apoios eleitorais.”
A recusa da linha de Errejón para alargar o partido, vencer eleições e aceder ao governo seria um sinal de fraqueza. E também de inércia das heranças, escreve o jornalista Pablo Pombo: “Afinal de contas, o que se aprende nas Juventudes Comunistas é a governar uma organização, não a chegar ao governo ou a governar um país.” O partido é o que agora interessa a Iglesias.
4. “Vistalegre não muda nada” no quadro partidário, assinala Galindo. A cúpula do Podemos apenas espera que a crise e a sua estratégia acelerem a erosão do centro para polarizar mais o país. Não é provável, diz.
A radicalização diminui a força institucional do Podemos mas pode aumentar a conexão com as bases e a devoção dos militantes. Vai agitar o sistema constitucional e agravar a tensão independentista na Catalunha.
O PSOE parece sentir certo alívio a curto prazo pois a radicalização de Iglesias deixa-lhe mais tempo e espaço. Errejón seria mais atractivo para os seus desiludidos de esquerda. O PP, que fez o seu congresso ao mesmo tempo, está exultante e torna-se mais provável a convocação de eleições antecipadas para 2018. A radicalização do Podemos garantir-lhe-ia uma votação acima dos 30%.
Rajoy terá sido, assim, quem mais lucrou com o Vistalegre 2. Iglesias é a oposição que lhe convém.