Cavaco e Sócrates: história de tensões numa relação difícil

Cavaco lança esta quinta-feira a sua versão sobre o seu mandato presidencial. São prometidas revelações sobre as conversas que manteve com vários protagonistas políticos, sobretudo com Sócrates. O PÚBLICO lembra as relações tensas havidas com os primeiros-ministros.

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Cavaco chegou a elogiar o ímpeto reformista de Sócrates Daniel Rocha

Nos dez anos em que ocupou o Palácio de Belém, Cavaco Silva, trabalhou com três primeiros-ministros: José Sócrates (2005-2011), Pedro Passos Coelho (2011-2015) e António Costa (2015-2016). As relações sempre foram tensas, mas atingiram o clímax com Sócrates.

É sobretudo as relações com este último que deverão ser reveladas no livro que Cavaco hoje apresenta: Quinta-feira e Outros Dias, numa alusão ao dia em que decorriam as reuniões com o primeiro-ministro.

O momento de ruptura deu-se no Verão de 2009, quando o PÚBLICO (18/08/2009), citando um membro da Casa Civil de Cavaco, levantou a suspeita de que membros e serviços da Presidência podiam estar sob vigilância.

No dia a seguir, o PÚBLICO acrescentava que, numa visita oficial do Presidente à Madeira, e de acordo com informações da Presidência, Rui Paulo Figueiredo, membro do gabinete do primeiro-ministro, José Sócrates, integrara a comitiva para controlar informação. Um mês depois, o Diário de Notícias, divulgou emails internos do PÚBLICO referentes à segunda notícia e revelou que a fonte neste segundo caso fora Fernando Lima, chefe do gabinete de imprensa de Belém.

Com a guerra instalada entre Sócrates e Cavaco, dias depois é a vez de, já em plena pré-campanha para as legislativas, o próprio Presidente assumir numa mensagem ao país que houve violação dos emails de Belém. E o gelo de uma inultrapassável desconfiança mútua instala-se entre Belém e São Bento.

Estocada final

José Sócrates sai vitorioso das urnas a 27 de Setembro de 2009, mas sem maioria absoluta. Com a frieza a dominar as relações entre Presidente e primeiro-ministro e com a crise económica a evidenciar os problemas da dívida pública e a insolvência do Estado português, Cavaco ainda serve de mediador entre o Governo do PS e o novo líder do PSD, Pedro Passos Coelho. E consegue que o principal partido da oposição aprove o II Plano de Estabilidade e Crescimento e o Orçamento do Estado de 2011. Este último teve mesmo como mediador designado por Cavaco o seu ex-ministro das Finanças Eduardo Catroga.

Mas, após a reeleição a 23 de Janeiro de 2011, Cavaco não dá mais espaço a Sócrates e, no discurso de posse, a 9 de Março, do alto da mesa da Assembleia da República, dá a estocada final ao primeiro-ministro, ao afirmar que em Portugal não há mais condições para sacrifícios.

Em resposta, Sócrates prepara o PEC IV nas costas do Presidente, negociando-o directamente com a chanceler alemã, Angela Merkel, e com as instituições europeias, sem dar nenhuma informação a Belém.

O discurso de posse de Cavaco teve outros efeitos. O PSD tira o tapete a Sócrates e a 23 de Março o PEC IV é chumbado na Assembleia por coligação negativa de toda a oposição. O primeiro-ministro sente-se sem chão e é obrigado a demitir-se. É já na condição de demissionário que negoceia com a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional um empréstimo ao Estado português de 78 mil milhões de euros, que evite a bancarrota.

Até começou bem

A relação entre Cavaco e Sócrates até começou bem. E o Presidente, eleito em 2006, empenhou-se em mostrar como era útil e funcionava o seu conceito de “cooperação estratégica” com o primeiro-ministro, de quem chegou a elogiar o “ímpeto reformista”. Mas logo no ano seguinte, ainda que sem visibilidade pública e gerido nos bastidores, deu-se o primeiro-braço de ferro entre os dois protagonistas da política portuguesa.

Sócrates queria que o novo aeroporto ficasse na Ota, Cavaco defendia que fosse em Alcochete. Apesar de Mário Lino, ministro das Obras Públicas, ter declarado que “na margem sul jamais! Jamais!”, o Presidente ganhou e a hipótese da Ota caiu.

Aos olhos do país, o primeiro confronto Cavaco-Sócrates deu-se no Verão de 2008 e desenvolveu-se através da TV. O tema era constitucional e não foi percebido pela maioria da população. Em causa estava o Estatuto dos Açores. Cavaco considerou que a revisão deste diploma introduzia alterações que, a prazo, podiam resultar na limitação dos poderes presidenciais. Isto, porque a nova lei determinava que o Presidente teria de ouvir mais entidades para dissolver a Assembleia Legislativa dos Açores do que para fazer o mesmo em relação ao Parlamento nacional. Ainda por cima, Sócrates tinha-se comprometido em privado em não avançar com esta regra. Cavaco vetou. O PS maioritário no Parlamento voltou a aprovar a lei. O Presidente recorreu então ao Tribunal Constitucional, que decidiu a favor de Cavaco.

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