Cavaco diz que desconfiou dos negócios de Sócrates com a Venezuela
O ex-chefe de Estado apresenta esta quinta-feira um livro de memórias dos seus dez anos de mandato em Belém, onde recorda a relação com o antigo primeiro-ministro.
É na primeira pessoa que o antigo Presidente da República Aníbal Cavaco Silva conta as histórias dos seus dez anos em Belém e relata muitas das conversas que teve com José Sócrates, sublinhando que sempre viu com desconfiança os negócios de empresas portuguesas com a Venezuela de Hugo Chávez. As memórias do antigo chefe de Estado são recordadas no seu livro Quinta-feira e outros dias, que será apresentado esta quinta-feira no Centro Cultural de Belém, pelas 18h30.
“Quanto mais via o entusiasmo do primeiro-ministro com os negócios das empresas da Venezuela, mais desconfiado eu ficava. Não me enganei”, diz Cavaco Silva, num excerto do livro, citado pela SIC Notícias. Esta frase surge numa altura em que Sócrates está a ser investigado no âmbito da Operação Marquês, que inclui suspeitas sobre os negócios do grupo Lena na Venezuela, tendo o Ministério Público de entregar a acusação até Março.
Nos excertos revelados pelo canal televisivo, Cavaco acusa ainda o antigo primeiro-ministro de “fingimentos, mentiras e falta de lealdade e humildade democrática” e afirma que Sócrates tinha demonstrado ser “parco a cumprir o que dizia”.
Um dos episódios recordados é o das cartas enviadas pelo Governo à Comissão Europeia e Banco Central Europeu, que Sócrates não contou ao Presidente da República. “Já sabia que tais cartas existiam. Era evidente que o primeiro-ministro procurara escondê-las. Como podia eu confiar nele?”
Numa obra de quase 600 páginas, divididas em 52 capítulos, Cavaco atribui a culpa da queda do Governo a Sócrates e diz nunca ter acreditado que o PEC IV evitaria o resgate ao “contexto dramático que então vivíamos, fruto dos erros cometidos pelo Governo”. O antigo Presidente elogia ainda a “atitude patriótica” de Teixeira dos Santos, o então ministro das Finanças que fez uma declaração pública que acabou por forçar o pedido de ajuda internacional.
Cavaco lembra ainda que foi Sócrates quem tomou a iniciativa de explicar em detalhe” as polémicas sobre a sua licenciatura. Neste caso, o antigo Presidente mostrou-se solidário com o ex-líder socialista, dizendo que “compreendia a indignação [de Sócrates]”, porque também ele tinha sido atacado pela comunicação social quando era primeiro-ministro. E, diz Cavaco, Sócrates teve a “sorte de já não existir o [jornal] Independente”.
No livro de Cavaco nem o actual primeiro-ministro escapa às críticas. Num recado ao Costa, e apesar de todas as críticas que faz José Sócrates, Cavaco ressalva que, apesar de tudo, o antigo primeiro-ministro “nunca se deixou capturar pelo PCP nem pelo BE e isso foi bom”. “Não existe na Europa, nem tão pouco no mundo, qualquer país que seja desenvolvido e que registe um caminho de sucesso tendo partidos da extrema-esquerda a determinar a condução da política económica”.