Proposta do BE: médicos terão 24 horas para dizerem que não a doentes que peçam eutanásia
Anteprojecto sobre despenalização de morte assistida obriga a que o doente reitere pedido três vezes. Se ficar inconsciente entretanto, o processo é interrompido.
Um profissional de saúde (médico ou enfermeiro) que não queira ajudar um doente a antecipar a morte deve comunicar-lhe a sua recusa “num prazo não superior a 24 horas”, especificando as razões que a motivam, prevê o anteprojecto de lei para a despenalização da morte assistida que o Bloco de Esquerda apresentou na tarde desta quarta-feira na Assembleia da República.
De acordo com o anteprojecto, um doente que peça a um médico que pratique eutanásia ou o ajude a morrer vai ter que reiterar o pedido três vezes consecutivas. O pedido, que tem de ser ser formulado por pessoa "com lesão definitiva ou doença incurável e fatal e que se encontra em sofimento duradouro e incurável", pode ser “livremente revogado a qualquer momento”. Caso o doente fique inconsciente antes da data marcada, o procedimento é mesmo interrompido.
“Nenhum profissional de saúde pode ser obrigado” a praticar ou ajudar ao acto de morte assistida e está garantido o direito à “objecção técnica e a à objecção de consciência", que deve ser manifestada num documento dirigido ao responsável do estabelecimento de saúde onde este trabalha, especifica o anteprojecto com que o BE abre o processo legislativo sobre a eutanásia e o suicídio medicamente assistido em Portugal. Não está prevista uma lista de objectores de consciência, como acontece no caso da interrupção voluntária de gravidez (IVG).
Menores estão excluídos
O que se pretende é que - agora à semelhança do que aconteceu com a IVG -, seja despenalizada a conduta dos profissionais de saúde nas circunstâncias definidas na lei. Isto pressupõe a alteração do Código Penal nos dois artigos em que se enquadra a morte assistida (que não está tipificada como crime em Portugal com esta designação): o homicídio a pedido da vítima (artigo 134º) e incitamento ou ajuda ao suicídio (135º).
Com 24 artigos, o anteprojecto que define e regula as condições em que a antecipação da morte não é punível – e que de agora em diante o BE quer ver debatido, limado e enriquecido com contributos-, exclui menores e pessoas com problemas do foro mental. Só serão, especifica, considerados pedidos apresentados por “pessoa maior, capaz de entender o sentido e o alcance do pedido” e que esteja consciente. Também apenas serão legítimos os pedidos apresentados por cidadãos nacionais ou legalmente residentes em Portugal.
O doente efectua o pedido num documento escrito datado que será integrado num “boletim de registos”. Haverá dois ou três médicos envolvidos no processo. O primeiro é o profissional escolhido pelo doente, o chamado “médico responsável”, que pode ou não ter sido o assistente pessoal ou da família e que deve informar e esclarecer o doente sobre a situação clínica e os tratamentos disponíveis, designadamente na área dos cuidados paliativos, e sobre o prognóstico. Nessa altura tem de verificar se o doente mantém e reitera a sua vontade.
Se isso acontecer, consulta um especialista na patologia em causa, cujo parecer confirmará ou não a natureza “incurável e fatal da doença ou a condição definitiva da lesão”. Se o parecer não for favorável, o procedimento em curso é cancelado. Caso seja favorável, o médico responsável deve verificar novamente se o doente mantém e reitera a sua vontade.
Comissão fiscaliza
Apenas será obrigatório o parecer de um terceiro médico – um psiquiatra - no caso de surgirem dúvidas sobre a capacidade da pessoa para solicitar a antecipação do fim de vida ou se os médicos admitirem que tem uma perturbação psíquica que afecta a sua capacidade de tomar decisões. Se isso acontecer, o processo é cancelado.
Combinado o dia, a hora, o local e o método a utilizar, o médico informa o doente sobre os métodos disponíveis. Antes do início do processo que pode ser levado a cabo por clínicos ou enfermeiros (supervisionados por médicos), deve mais uma vez perguntar-lhe se mantém a sua vontade de antecipar a morte.
Segundo o anteprojecto, serão “locais autorizados” para a prática da morte assistida todos os estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde e dos sectores privado e social que disponham de internamento e de local adequado e com acesso reservado. Mas, se o doente quiser, o acto pode ser praticado no seu domicílio ou noutro local, desde que o médico considere que dispõe de condições para isso.
Como um dos autores do anteprojecto, João Semedo, já tinha adiantado ao PÚBLICO, está prevista a criação de uma "comissão de revisão dos processos de antecipação de morte" que será composta por nove personalidades de reconhecido mérito, três juristas, três profissionais de saúde e três especialistas em ética ou bioética. Seis serão nomeados pela Assembleia da República e os restantes pelo Governo e os conselhos superiores da magistratura judicial e do Ministério Público.
Esta comissão examina os relatórios finais dos processos e os respectivos boletins de registo e decide se as condições da lei foram cumpridas. Se isso não tiver acontecido, remete os casos para o Ministério Público e para as ordens dos profissionais envolvidos.