Arguidos dos vistos gold que confessarem terão de ser “devidamente compensados”
Julgamento em que Miguel Macedo se senta no banco dos réus começou esta segunda-feira.
Os arguidos do processo dos vistos gold que colaborarem com a descoberta da verdade no julgamento que arrancou esta segunda-feira “terão de ser devidamente compensados”, defende o procurador José Niza.
O magistrado fazia as exposições introdutórias da primeira audiência deste julgamento, no qual 17 pessoas respondem por vários crimes de colarinho branco, da corrupção ao branqueamento de capitais. O ex-presidente do Instituto dos Registos e Notariado (IRN), António Figueiredo, é o arguido ao qual mais delitos são assacados, num processo em que também o antigo ministro da Administração Interna Miguel Macedo se senta no banco dos réus.
O procurador fez mesmo referência ao chamado direito premial, que permite reduzir ou isentar de pena os arguidos arrependidos. Um mecanismo que, em Portugal, é pouco usado, mas que se pode revelar útil num tipo de crimes cuja prova é difícil de fazer, por existir “um pacto de silêncio” entre eles.
“O direito premial são maus ventos que vêm do Brasil”, comentou, no intervalo para almoço, o advogado do arguido António Figueiredo, Rogério Alves. “Recordou-se aos arguidos que a sua confissão pode valer um prémio. Mas não se pode confessar o que não se fez”, disse.
Os advogados dos arguidos defendem que pouco ou nada do que consta da acusação se passou realmente como o procurador José Niza expôs. “Procura-se injectar no pensamento das pessoas um pensamento distorcido: o de que os tribunais não cumprem a sua função de julgar se não condenarem ninguém”, tinha observado, também nas exposições introdutórias, Rogério Alves. O advogado explicou como o seu cliente foi “totalmente esmagado na sua imagem e honra”, apesar de “nunca se terem encontrado nas suas contas bancárias os voluptuosos montantes de que se andou à procura.”
António Figueiredo é suspeito, entre outras coisas, de ter usado uma vasta rede de influências para angariar negócios imobiliários por forma a receber comissões por venda de apartamentos de luxo a cidadãos chineses candidatos a vistos gold. Os processos seriam acelerados graças à intervenção do então director do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, Jarmela Palos, também arguido neste caso. Por vezes não lhes seriam sequer exigidos todos os requisitos legais para a emissão dos vistos. Mas Rogério Alves assegurou que – apesar de o antigo presidente do IRN ter sido apanhado nas escutas a falar dos negócios imobiliários, e de o seu motorista confirmar que o transportou várias vezes no horário de trabalho até locais onde ia ver imóveis – o único negócio a que o seu cliente pretendia dedicar-se era à exportação de vinhos para a China. “António Figueiredo foi um dos melhores dirigentes da administração pública que exerceram funções neste século”, assegurou Rogério Alves.
Também o advogado de Miguel Macedo, Castanheira Neves, argumentou que nada do que fez o seu cliente constitui crime: pediu a um colega seu de Governo, o então secretário de Estado dos Assuntos Fiscais Paulo Núncio, para receber um amigo seu que participava num negócio de tratamento clínico de feridos de guerra líbios em Portugal mas entendia que não tinha de pagar IVA ao Estado português. O negócio acabou, de facto, por ficar isento de cerca de 1,8 milhões de euros de IVA, mas o antigo governante assegura que não interferiu nesse sentido. E negou, no interrogatório de que foi alvo pelo Ministério Público na fase de inquérito, ter participado naquela audiência, apesar de anotações que constavam de uma agenda encontrada no gabinete de Paulo Núncio indiciarem, para a procuradora que deduziu a acusação, exactamente o contrário.
Vários arguidos manifestaram já intenção de só prestarem declarações no final do julgamento, mas o presidente do colectivo de juízes, Francisco Henriques, deixou o aviso a um deles: “Não é a mesma coisa prestar declarações no início do julgamento ou no fim”, quando já se percebeu em que direcção se pode estar a encaminhar a sentença.